O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), comandado por Ricardo Lewandowski, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), publicou em 10/05 uma portaria que flexibiliza as diretrizes para a utilização dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), permitindo que governos estaduais aumentem o investimento no dito “combate ao crime organizado” e em proteção patrimonial. A decisão alterou a normativa anterior, que fixava que 80% do fundo seria destinado à redução de mortes violentas intencionais.
Em agosto de 2023, o então ministro da Justiça e Segurança Pública Flávio Dino (PSB) promulgou uma portaria definindo que 10% dos recursos do FNSP deveriam ser destinados ao enfrentamento da violência contra a mulher, 10% para a melhoria nas condições de vida dos profissionais de segurança pública, e os outros 80% destinados à redução de mortes violentas intencionais. Com a nova decisão, estes 80% podem ser usados também para o “enfrentamento ao crime organizado e proteção patrimonial”. De acordo com Camila Pintarelli, diretora de Gestão do FNSP, “tem estado que tem índice de morte violenta intencional realmente assustador, mas tem outros que não têm esses índices tão elevados, que têm mais problema com crime patrimonial e criminalidade organizada”.
Criado em 2001 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e significativamente fortalecido em 2018 pelo governo de Michel Temer (MDB), o FNSP é um fundo gerido pelo MJSP, destinado exclusivamente ao investimento em projetos de “segurança pública e de prevenção à violência”. O fundo é constituído principalmente de receitas adquiridas através das loterias e, para 2024, conta com cerca de 2,34 bilhões de reais. Deste montante, cada estado deve receber aproximadamente 40 milhões para administrar, com outro um bilhão sendo repassado conforme aprovação de convênios ou contratos com o ministério. Apesar do valor representar pouco para o orçamento de estados mais populosos como São Paulo, o repasse tem uma importância significativa para estados como o Amapá, com o maior número de mortos por policiais do Brasil em 2023, e cujo montante representa quase 20% do total investido em “segurança pública”.
Entretanto, com o aumento da violência policial em todo o Brasil a partir do discurso de “combate ao crime organizado”, uma parte da população se preocupa que essa flexibilização vai resultar no aumento da violência. “O combate ao crime organizado é um fundo para a guerra às drogas [...] que não leva a nada, só leva a matança, inclusive de inocentes. Só leva à desordem nas periferias, em locais que já são insalubres de viver, e não muda nada porque quem gerencia e quem ganha com o crime são pessoas que tem tanta ‘grana’ que nem estão no Brasil”, afirmou Neto, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) em Santos (SP).
Perguntado sobre o investimento em segurança pública, Neto pontuou ainda que “o investimento que o Estado faz não é para solucionar o problema [de segurança pública]. É um Estado burguês, ele investe para os interesses da propriedade privada, e não prezando o bem estar das pessoas. A Operação Escudo é exemplo, foi uma política de aniquilação da classe trabalhadora nas periferias, que, na minha visão, teve um motivo econômico, de disputa dos setores estratégicos do Porto [de Santos].”
O impacto da flexibilização é ainda maior em estados cujo montante representa maior parcela do orçamento: “Eu vivo em um estado [Amapá] que sempre investiu muito em promoção de agentes de segurança”, afirmou Cecília, militante do PCBR em Macapá (AP). “Não à toa, nós temos a polícia que mais mata. A polícia aqui do Amapá sempre agiu em um processo de higienização. Se há mais investimento, isso se intensifica aqui no estado”.