Comunismo

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Comunidade para discussões em geral relacionadas à teoria e prática marxista. ☭☭☭


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FPLP: CUBA ADERE AO PROCESSO CONTRA ISRAEL NA CIJ

A Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP) aprecia o anúncio da República de Cuba de aderir ao processo movido pela África do Sul contra a ocupação sionista na Corte Internacional de Justiça (CIJ). O governo cubano descreve isso como um passo importante e corajoso que reafirma a posição histórica, firme e de apoio do Estado de Cuba aos direitos do povo palestino.

A adesão cubana ao processo judicial contra Israel na CIJ representa uma adição importante aos esforços que buscam responsabilizar a entidade sionista pelos crimes genocidas que continua cometendo na Faixa de Gaza, e continuar a pressão para parar esta guerra destrutiva travada com parceria americana e ocidental.

A Frente convida todos os países que apoiam os direitos do povo palestino a seguir o exemplo de Cuba e se unir aos esforços internacionais destinados a condenar a ocupação por cometer genocídio, e processar seus líderes e todos os envolvidos com eles, dos líderes ocidentais no Tribunal Penal Internacional (TPI), como um passo para deslegitimar esta entidade sionista.

COMUNICADO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE EM GAZA

Relatório estatístico periódico sobre o número de mártires e feridos devido à agressão sionista na Faixa de Gaza:

A ocupação sionista cometeu 3 novos massacres contra famílias na Faixa de Gaza, resultando em 47 mártires e 121 feridos que chegaram aos hospitais nas últimas 24 horas.

Várias vítimas ainda estão sob os escombros e nas ruas, e as equipes de ambulância e defesa civil não conseguem alcançá-los.

O número de vítimas da agressão subiu para 37.598 mártires e 86.032 feridos desde o dia 7 de outubro.

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A cidade de São Carlos (SP) presenciou uma manifestação no último sábado, 23 de junho, em resposta aos ataques recentes do vereador Paraná Filho (PP) contra a população LGBT+. O protesto, organizado em frente à praça XV de Novembro às 15h, atraiu membros da comunidade LGBT+, aliados, e ativistas de várias frentes, movimentos e partidos políticos.

A manifestação fez falas em um movimento de intervenção no intervalo do 2º Festival de Inverno da Praça da XV, evento da Prefeitura Municipal de São Carlos em cooperação com a Feira da Economia Solidária que estava acontecendo no momento do ato. Após fazer voltas na praça no meio da feira, o grupo se manifestou no cruzamento da Av. Dr. Carlos Botelho com a Rua Aquidaban.

Emerson Pavani, que faz parte da organização do evento que foi cancelado, disse em entrevista na manifestação que a organização do evento vai exigir a retratação da Prefeitura Municipal de São Carlos e a remarcação imediata do evento, mantendo inclusive o local em que o evento cancelado seria realizado no último domingo. "No vídeo que o vereador soltou, ele faz ameaças à prefeitura de São Carlos, dizendo que, se não tomassem providências, ele iria tomar", explica Emerson Pavani. Pavani complementa, afirmando categoricamente que o vereador cometeu um crime de homofobia e de intolerância religiosa.

Entenda o caso

O vereador Paraná Filho (PP) de São Carlos encabeçou uma campanha de desinformação, utilizando imagens que induzem ao erro e narrativas deturpadas para cancelar o "3º Encontro LGBTQIAPN+", que seria realizado no domingo, 23 de junho. Sob o pretexto de defender os "valores da família" e os "bons costumes", o parlamentar não hesitou em espalhar fake news. O ocorrido é uma demonstração clara de ataque às liberdades individuais, ao direito de expressão e mais uma ação reacionária contra a população LGBT+.

Nas redes sociais, o vereador Paraná Filho atacou a presença do artista "DJ S4TAN" no evento, alegando que suas músicas eram inaceitáveis por conter "palavrões, falas pornográficas e coreografias obscenas". Porém, a realidade é outra: líderes da comunidade LGBT+ e organizadores do evento expuseram as táticas de medo e desinformação do vereador, acusando-o de alimentar preconceitos e estigmatizar a comunidade.

Submissivamente, a Prefeitura de São Carlos cedeu à pressão política, cancelando o evento sob alegações frágeis de "questões de infraestrutura e segurança", sem sequer dialogar com os organizadores. A organização rapidamente refutou essa justificativa, denunciando a censura e a capitulação da administração frente à agenda homofóbica do vereador.

A polêmica intensificou-se quando Paraná Filho alegou que estava apenas exercendo seu papel de "fiscal do Poder Executivo" e que o cancelamento permitiria "um melhor planejamento do evento em local adequado". No entanto, para a organização do evento, suas ações são vistas como uma tentativa descarada de promover "pânico psicológico" e destruir a imagem de um artista, visando enfraquecer a luta pelos direitos da comunidade LGBT+.

O histórico do vereador Paraná Filho revela um padrão preocupante. O vereador já se envolveu em outros episódios de intolerância, incluindo um processo na Justiça Eleitoral por "violência política de gênero".

Sobre o ocorrido o próprio DJ S4tan, alvo dos ataques foi às redes sociais para se manifestar. "Não posso ignorar esse ataque direto à mim, as ofensas que venho recebido e muito menos a imposição de circunstâncias irreais sob a nossa comunidade e o nosso trabalho. Eu faço arte. E estou aqui para propagar a minha arte. Lembrem se que o estado é laico e esses apontamentos religiosos não condizem com a verdade, sendo apenas máscaras para disseminar LGBTfobia", afirmou o artista.

Para além dessa luta

A luta da população LGBT+ em São Carlos, intensificada pelos recentes ataques do vereador Paraná Filho, conecta-se de maneira profunda com combate a exaustiva escala de trabalho 6x1 no Brasil. Ambas as causas convergem na busca por dignidade, respeito e qualidade de vida para todos os trabalhadores, incluindo aqueles da comunidade LGBT+, que frequentemente enfrentam marginalização adicional no ambiente de trabalho. A opressão enfrentada por essa população não se limita à discriminação social e cultural, mas também abrange a exploração laboral e a precarização das condições de trabalho, exacerbadas por jornadas abusivas que comprometem sua saúde e bem-estar.

Assim como o Movimento VAT (Vida Além do Trabalho), que clama por uma revisão na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para proporcionar um equilíbrio entre vida profissional e pessoal, a luta LGBT+ também exige uma reforma nas práticas laborais que permita a todos, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, uma vida digna além do trabalho.

A reivindicação por condições laborais mais humanas e inclusivas é essencial para combater as diversas formas de opressão e garantir que todos os trabalhadores possam desfrutar de seus direitos plenos. A convergência dessas lutas evidencia a necessidade de um debate público aberto e transparente, capaz de produzir políticas que promovam não apenas a saúde física e mental dos empregados, mas também a equidade e o respeito a todas as expressões de gênero e sexualidade.

Além disso, é fundamental que esse debate público, aberto e transparente, seja acompanhado por iniciativas populares que vão além de políticas públicas e que possam trazer soluções de auto-organização das trabalhadoras LGBTs contra essas opressões. Exemplos como a Batalha das Monas e as ocupações que se transformam em casas de acolhimento para pessoas LGBT expulsas de casa ilustram como a auto-organização pode oferecer apoio e proteção diante da marginalização e também iniciativas de cultura e lazer focados nessa população.

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1 – Vida e práxis política

William Edward Burghardt Du Bois foi filho único de Alfred Alexander Du Bois, barbeiro e trabalhador itinerante, e Mary Silvina Burghardt, dona de casa. Sua família era composta por fazendeiros e trabalhadores afro-estadunidenses da Nova Inglaterra. Seu pai tinha nascido no Haiti e migrado para os Estados Unidos, onde serviu como soldado unionista na Guerra Civil. Da parte materna, a ascendência de Du Bois vinha de uma tradicional família de negros livres, sendo o bisavô Tom, um escravizado africano que obteve a liberdade após Independência estadunidense. A partir dos dois anos de idade, Du Bois foi educado pela mãe e família materna, após o pai deixá-los, mudando-se para Connecticut, onde faleceu pouco depois.

Até os 17 anos, viveu em sua cidade natal, Great Barrington, no interior de Massachussetts, de população majoritariamente branca. A condição do negro na sociedade de classes dos EUA da segunda metade do século XIX aumentou o significado da formação educacional como via de ascensão, o que permitiu a Du Bois experimentar a confirmação precoce de suas habilidades intelectuais, bem como os limites sociais e econômicos que afetariam sua carreira acadêmica. Foi o primeiro estudante negro a concluir o ensino médio na escola preparatória de sua cidade natal, em 1884.

Durante os anos escolares, Du Bois já escrevia artigos para periódicos regionais, como Republican [Republicano] e Globe [Globo]. Aluno destacado, mas sem meios para cobrir as despesas universitárias, recebeu apoio do diretor da escola, que arrecadou doações para custear seu ingresso, em 1885, na Fisk University (Nashville, estado do Tennessee) – instituição surgida no fim da Guerra Civil com a proposta de educar a população negra, recentemente livre da escravidão. Ali, tornou-se editor do Fisk Herald [Arauto de Fisk], dando ênfase às contribuições vanguardistas dos afrodescendentes, além de ministrar cursos para comunidades negras do meio rural.

Os anos vividos no sul do país expuseram ainda mais o jovem estudante às contradições sociais de seu tempo – como o racismo e a pobreza. Em 1888, após graduar-se em Fisk, foi admitido na Harvard University (Cambridge, estado de Massachusetts), reduto educacional da elite do país. Lá, formou-se em Filosofia e História em 1890, defendeu o mestrado em 1891 e foi o primeiro afrodescendente da instituição a obter o doutorado – em História, no ano de 1895, com a tese The suppression of the african slave trade to the United States of America, 1638-1870 [A supressão do tráfico de africanos escravizados para os EUA], publicada no ano seguinte na coleção Harvard Historical Studies Series.

Entre 1892 e 1894, manteve também vínculo formal como aluno do curso de Economia da Universidade de Berlim (Alemanha), após obter uma bolsa de estudos. Apesar de cumprir a maior parte dos requisitos para a titulação, precisou interromper o curso e voltar para os EUA devido à falta de dinheiro. Então, deu aulas de estudos clássicos e línguas modernas por dois anos na Wilberforce University, (Ohio), instituição destinada a estudantes negros. Ali, conheceu a colega Nina Gomer, com quem se casou em 1896 e teve dois filhos.

A formação superior pluri-institucional de Du Bois, assim como seu trabalho docente fora da área em que se especializou, expressam as restrições sociais impostas para um pesquisador vindo de fora dos círculos dominantes da academia; por outro lado, estar fora dos grupos de poder lhe permitiu certo trânsito entre vários campos do conhecimento, predispondo o jovem intelectual à aposta em searas científicas diversas, muitas das quais ainda estavam em seu estágio inicial (caso da Sociologia). Neste percurso, ainda em 1896, ele recebeu o convite para ser professor auxiliar na University of Pennsylvania e para conduzir um estudo sobre o distrito de Seventh Ward na Filadélfia, região habitada majoritariamente por afrodescendentes e imigrantes.

Fazendo uso de métodos quantitativos, Du Bois desenvolveu uma pesquisa que resultou em um trabalho de referência sobre a condição de vida da população negra, publicado com o título The Philadelphia negro [O negro da Filadélfia] (1899) – com que se tornou o pioneiro no uso de abordagem sociológica para a compreensão do “problema negro” no país. Em seus estudos da época, o autor chamava a atenção aos fatores estruturais de ordem socioeconômica e racial que levaram a população negra à miséria após a escravidão. A partir de então, dedicou-se a variados estudos empíricos que abordaram as implicações do racismo na sociedade, destacando o valor das culturas de matriz africana.

Em 1897, assumiu o posto de professor de Sociologia na Atlanta University (Geórgia/EUA), onde permaneceu por 13 anos, dando início ao primeiro dos dois longos períodos em que permaneceu na instituição (o segundo seria entre 1934 e 1944, quando ocupou a chefia do Departamento). Ali, Du Bois organizou o curso de Sociologia e colaborou com a reformulação do currículo acadêmico; o apoio institucional aos seus projetos foi fundamental para se tornar um autor prolífico e promover o estudo das condições sociais das comunidades negras.

Além de sua carreira como docente e de suas pesquisas pioneiras, Du Bois se dedicou também à militância política e ao trabalho editorial. Em 1901, foi convidado por Booker T. Washington (ativista dos direitos civis) para participar do Tuskegee Institute. Contudo, logo percebeu que suas concepções políticas na luta contra o racismo eram divergentes da do líder, cujas ideias para a melhoria da condição de vida dos afro-estadunidenses se baseavam no incentivo à educação para o trabalho técnico, com vistas ao acúmulo gradual de riqueza – o que, para Du Bois, era uma “política acomodacionista”. Segundo ele, apenas uma concessão abrangente de direitos (voto, educação superior e cidadania) poderia garantir alguma ascensão social.

Afastou-se do grupo e, em 1905, organizou o Niagara Movement, com o apoio de William Monroe Trotter e outros desafetos de Washington. O novo coletivo tinha por princípios a defesa dos direitos sociais e civis para a população negra visando sua completa integração à sociedade. A agremiação, porém, teve curta duração (até 1909), devido à falta de recursos e ao acirramento da oposição dos antigos correligionários da Tuskegee.

Assim, em 1909, Du Bois criou o National Negro Committee e, no ano seguinte, a National Association for the Advancement of Colored People (NAACP) – organização com enfoque mais abrangente, multirracial (o que permitia maior possibilidade de financiamento) e com posições nitidamente contrárias ao movimento negro conservador – a qual absorveria os membros e o ideário do Niagara. Ele passou então a se dedicar integralmente à NAACP, abdicando da docência universitária para trabalhar na sede da organização, em Nova Iorque, como diretor de publicações e pesquisa.

Em 1910, Du Bois se filiou ao Socialist Party of America, do qual, entretanto, logo se afastou, em 1912, para apoiar Woodrow Wilson na campanha eleitoral – em que o candidato democrata prometia defender as causas negras, ao contrário de seu opositor, o presidente republicano William Taft (passivo diante violência sofrida pelos negros).

Quanto a sua atuação como editor, Du Bois dirigiu a partir desta época várias revistas de ampla circulação, tais como: Moon (1905-06); Horizon (1907-1910); o renomado The Crisis, editado desde 1910 pela NAACP, jornal que chegou a ter 100 mil exemplares em circulação (1920), com discussões em torno das relações raciais e cultura, e que se tornaria um veículo para a expressão de suas opiniões (aumentando as dissonâncias políticas dentro da organização); e, mais tarde, também o Phylon (1940-1944).

Após a I Grande Guerra, Du Bois se distanciou gradualmente da NAACP, ao mesmo tempo em que se aproximava do Communist Party of the United States of America (Partido Comunista dos EUA) e do marxismo. Passou a questionar com mais ênfase o ideário liberal, intrínseco ao repertório político da NAACP (demasiado moderado e dependente da filantropia); e, por outro lado, seu pensamento se radicalizou em direção à internacionalização do movimento antirracista – somando motivos para uma ruptura com a direção desta entidade. Tal evolução de seu pensamento se manifestou como resposta ao cenário calamitoso da Guerra no plano internacional, à expansão do colonialismo e à opressão dos africanos e afro-estadunidenses – o que expunha a dimensão global do “problema negro”, conferindo ainda mais sentido à ideia de pan-africanismo (movimento pela união transnacional de africanos e afrodescendentes).

A organização do I Congresso Pan-Africano, por Du Bois e correlegionários, aconteceu em Paris, em 1919, seguido por edições em 1921, 1923 e 1927. Os Congressos reuniram lideranças dos EUA, Caribe, África e Europa e, aproveitando-se do clima de união pela Paz no pós-guerra, permitiam que os descendentes diretos da colonização e do tráfico de africanos escravizados falassem publicamente por si, acerca de seus problemas. Na mesma época, Du Bois estabeleceu conexão significativa com o continente africano (que chamava “a casa dos afrodescendentes”), o qual visitou em 1923. Ademais, defendeu a participação dos africanos nos governos coloniais europeus na África.

Se por um lado, o movimento pan-africanista marcou uma era de solidariedade nunca antes vista entre a população negra mundial, por outro, evidenciou disparidades internas; algumas delas advindas da ascensão do jamaicano Marcus Garvey como liderança do movimento panafricanista – defendendo propostas de teor capitalista e nacionalista e esvaziando o sentido original das reuniões. O desapontamento com a militância antirracista neste espaço levou Du Bois a retomar sua vida intelectual na Atlanta University. Ademais, tornaram-se mais frequentes suas manifestações políticas no The Crisis, sendo que, em 1933, publicou declarações em favor do comunismo e em apoio à União Soviética – o que abalou as já frágeis relações com os demais membros da NAACP.

Em 1935, Du Bois publicou Black reconstruction in America [Reconstrução negra nos EUA], um dos maiores estudos acadêmicos sobre revolução e contrarrevolução.

Os posicionamentos heterodoxos de Du Bois sobre os meios de superação da segregação produziram reações, aumentadas pela radicalização de sua posição socialista. Por este tempo, ele deu suporte a agremiações comunistas, como o Southern Negro Youth Congress [Congresso da Juventude Negra Sulista] (1937-1949) – voltada ao amparo sindical e proteção de direitos civis. E, ainda, foi um grande apoiador do governo soviético de Josef Stálin – afirmando, em 1940, que, embora os métodos stalinistas fossem considerados impopulares, eram uma resposta necessária à ofensiva dos EUA contra a Revolução. De acordo com Du Bois, a solução definitiva do problema da desigualdade racial estava no marxismo: pensamento que conseguir explicar os problemas sociais a partir do vínculo entre os fatores econômicos e o desenvolvimento da civilização nos campos da religião, literatura e cultura.

Nos anos 1950, período de intensa perseguição anticomunista, Du Bois fez duras críticas ao sistema capitalista e, como parte de seu intento de universalizar a luta antirracista, visitou a URSS – onde foi recebido por Nikita Khrushchev (com quem promoveu a criação do Instituto para Estudos Africanos da Rússia) – e a China.

Porém, a partir da fundação do Peace Information Center [Centro de Informação para a Paz], criado para se opor às guerras, como a da Coreia, o governo estadunidense deu início a uma perseguição implacável ao marxista, que passou a ser monitorado pelo Departamento de Justiça do país, tendo seu passaporte apreendido e, logo, sendo encarcerado, acusado de vínculos com os soviéticos.

Ao retomar a liberdade, Du Bois passou a ser perseguido por suas convicções comunistas e ficou isolado dentro de seu próprio país – perdendo inclusive antigos aliados. Refugiou-se então, em seus últimos anos, em Gana, para onde se mudou em 1961, a convite do então presidente Kwame Nkrumah (1909-1972), naturalizando-se. Porém, a partida para a África não ocorreu sem antes realizar um dos seus feitos mais significativos no contexto persecutório dos Estados Unidos: sua filiação ao Partido Comunista dos EUA, em 1961, por meio de uma carta na qual afirmou ser o socialismo a única esperança viável à paz mundial e à libertação da população negra, ponderando que “o capitalismo não pode reformar-se a si próprio” e que o comunismo é “o esforço” para dar a todos “aquilo de que necessitam”, assim como para demandar de todos “o melhor com que cada qual pode contribuir”.

Seus últimos anos de vida na capital ganense, Acra, não amenizaram sua dedicação ao estudo das questões raciais e de classe envolvendo a população negra global. Por este tempo, fez parte da Academia de Ciências de Gana e trabalhou no projeto de elaboração de um antigo projeto, a escrita de uma enciclopédia africana (Encyclopedia Africana) – inconclusa até sua morte –, além de finalizar sua última autobiografia (publicada em 1968). O autoexílio no país africano foi também simbólico do processo de radicalização de ideias que marcaram sua trajetória política: a recusa de se interpretar o “problema negro” pelo viés nacionalista ou desvencilhado da questão socioeconômica.

A saúde de Du Bois logo piorou, e ele faleceu em 17 de agosto de 1963, com noventa e cinco anos, na véspera de uma grande marcha por direitos civis. Sua morte foi anunciada nos EUA diante da mesma multidão que assistia ao histórico discurso de Martin Luther King – pondo em evidência a grandeza da trajetória política e intelectual do militante comunista e antirracista. Foi sepultado perto de sua casa, em Acra (onde, em 1985, seria criado o Du Bois Memorial Centre).

2 – Contribuições ao marxismo

O personagem em questão é um dos maiores expoentes intelectuais da luta antirracista no contexto americano, além de um dos pioneiros da articulação teórica entre marxismo e luta contra discriminação racial. Pelas ideias de “linha de cor” e “dupla consciência”, por exemplo, Du Bois ousou suplantar barreiras estabelecidas no pensamento científico de sua época, abrindo caminho para que o processo de “racialização” fosse tratado do ponto de vista da população negra estadunidense. Se no primeiro conceito vemos uma manifestação dos mecanismos estruturais do racismo na produção de desigualdades, no segundo, temos a definição do autor sobre a condição dúbia do “ser negro”, que envolve a experiência racista transnacional e o desejo de pertencimento à nação estadunidense.

As formulações teóricas de Du Bois receberam os contornos dos tempos históricos e conjunturas de exclusão por ele vividos. Nascido no imediato pós-Guerra Civil dos EUA, migrou para o Sul do país, presenciando a criação das racistas leis Jim Crow, a segregação e a violência racial. No plano internacional, foi testemunha das disputas colonialistas pelo continente africano, assim como das tensões do início do século XX.

Em seu doutorado, desenvolveu pesquisa sobre o tráfico transatlântico de escravizados (1895). Dedicou-se posteriormente a pensar sociologicamente a questão do negro, produzindo então as primeiras obras voltadas a análises sócio-históricas que traziam a articulação entre os fatores de raça e classe. Em The study of the negro problems (1898) e em The Philadelphia negro (1899), propôs uma forma inédita para compreender o “problema negro” como aspecto sintomático da configuração social instalada historicamente no Norte dos EUA, expondo o conceito de “linha de cor” – uma estrutura de opressão fundada no racismo e exclusão social, típica do modelo capitalista, que trazia consigo as heranças do comércio escravista global. O “problema negro”, portanto, representava uma série de discriminações entrecruzadas, derivadas dessa estrutura, e que refletiam em condições de precariedade no acesso a direitos (educacionais, de moradia, de trabalho, de saúde e políticos).

A preocupação do autor era pensar a questão do negro pelo viés da estrutura de opressão sociorracial. Se seus primeiros escritos ainda carregavam uma espécie de “esperança liberal” (que vinculava a ascensão popular ao mérito), isto não pode ser desvencilhado da época de sua formação, quando a pseudociência evolucionista ganhava espaço e, na política, dava-se o auge da propaganda liberal. Mesmo assim, seu pensamento desde cedo produziu inovações, o que se vê em sua busca por interpretar a questão do negro com base em elementos sociais – recusando a racialista perspectiva biológica eugenista.

O protagonismo de Du Bois no ativismo negro, a partir da década de 1890, também reflete esse momento político. Tanto o Niagara Movement, quanto a NAACP surgiram do impulso de denunciar a violência racial; porém, não avançavam na proposição de reformas de impacto que pensassem a situação dos negros dentro da dimensão capitalista.

Foi especialmente a partir da I Guerra que se deram os sinais mais evidentes da filiação de Du Bois ao pensamento marxista, época em que o mundo assistia as consequências devastadoras da política colonialista – a que se seguiram a Revolução Bolchevique, a ascensão dos fascismos, e, no cenário interno dos EUA, os efeitos da Grande Depressão. A crise capitalista afetava sem piedade a população pobre e negra; a democracia liberal, tão creditada como via de uma sociedade mais justa, mostrava sua face pérfida no agravamento das clivagens de cor e de classe, próprias da ordem capitalista. Neste ínterim, Du Bois já havia ingressado no Partido Socialista e transitado o suficiente pelo continente europeu para passar a enfatizar que a superação do problema do negro não se efetivaria longe de reformas socioeconômicas radicais. Sua desilusão com a “esperança liberal” de outrora é narrada em registro autobiográfico, em que cita o conhecimento da realidade da URSS como experiência determinante para sua aproximação do socialismo.

Neste delicado momento político, contexto marcado pelo macarthismo e violência racial, a maior parte das contribuições teóricas de Du Bois aborda o marxismo de forma indireta – com exceção de suas ficções, relatos autobiográficos, da monografia The negro (1915) e de seu clássico Black reconstruction (1935), além de algumas publicações no jornal The Crisis (que permitem acompanhar o teor dos debates travados com os movimentos negros e o Partido Socialista).

Em “Marxism and the negro problem” [“O marxismo e o problema do negro”], “Karl Marx and the negro” [“Karl Marx e o negro”] e “Socialism and the negro problem” [“O socialismo e o problema do negro”], artigos publicados em 1933 no The Crisis, Du Bois estabelece uma espécie de mediação pela aproximação de ambos os polos de militância – o socialismo e o ativismo negro – apontando as incongruências de se separar as causas. Tomando por base a própria nomenclatura marxista, ele oferece um panorama da classe trabalhadora que, sendo fundamentalmente negra, se encontrava dividida por razões raciais; praticamente inexistiam burgueses e exploradores negros, além do fato de que a classe de trabalhadores negros enfrentava quadros mais graves de precariedade, fosse pela herança da escravidão ou pelas discriminações cotidianas. Esse é o ponto crucial de sua percepção sobre o insucesso da difusão das teorias socialistas entre o proletariado, uma dificuldade de coesão que afetava a dita consciência de classe, necessária para as transformações estruturais – o que repercutia na adesão ao Partido Socialista (ainda vacilante em reconhecer a cor da classe trabalhadora, tornando-se radicalmente “antirracista”).

Na percepção de Du Bois, o marxismo não foi formulado com vistas a ser aplicado de modo uniforme em todas as partes do mundo. Ainda que o sistema capitalista global operasse de forma comum na produção de clivagens socioeconômicas, o marxista entende que cada realidade apresentava formatos particulares da luta classes, devido aos processos históricos e ações humanas que resultaram em conjunturas de desigualdade distintas.

No caso dos EUA, a herança colonial e escravista relegou marcas decisivas aos grupos negros – traço por sua vez apontado nos próprios escritos de Marx, quando, em carta dirigida ao presidente A. Lincoln, na época da Guerra da Secessão, refletiu a respeito das mazelas trazidas pelo sistema escravista ao sistema social, político e econômico estadunidense. Esta guerra, por conseguinte, é compreendida por Du Bois para além do conflito, como importante experiência revolucionária – enquanto a era de segregação, ocorrida após a libertação do povo negro, ganha conotação de onda contrarrevolucionária (o que se vê, entre outros textos, em The souls of black folks, de 1903).

Já nos anos 1930, as reflexões de Du Bois sobre o marxismo evidenciam seu momento de reflexão sobre o ativismo antirracista, em uma espécie de autoavaliação, dado seu protagonismo em organizações como a NAACP. Entende que o fim da “linha de cor” só seria alcançado pela superação do fator econômico, através de reformas sociais que estabelecessem os direitos básicos às classes trabalhadoras; a socialização das riquezas e o estabelecimento da igualdade socioeconômica são vistos como ponto de partida para a superação das divisões raciais. Essas percepções contrastavam com boa parte dos núcleos de militância negra de sua época, cujas propostas estavam marcadas pelo individualismo liberal (com sua crença na educação e esforço individual como solução para a pobreza e o racismo).

O pensamento de Du Bois também apresenta elementos de debate com as interpretações marxistas de sua época, no que se refere aos caminhos para a superação do racismo e desigualdade socioeconômica. Além dos inconformismos com o Partido Socialista pela resistência em se tratar com radicalidade o “problema negro”, o marxista estadunidense questionava a ideia de que os processos revolucionários deveriam ser promovidos pelas armas: “a guerra é péssima e o inferno não traz avanços no mundo” – uma visão que reflete o peso em seu pensamento que tiveram os trágicos eventos bélicos por ele experienciados.

3 – Comentário sobre a obra

A vasta produção intelectual do marxista negro W. E. B. Du Bois compreende a complexidade de sua formação nas humanidades: com trânsito pela sociologia, história e literatura. O autor reúne mais de três dezenas de livros, os quais incluem resultados de estudos, autobiografias, obras de ficção e coletâneas de textos, além de dezenas de artigos publicados em periódicos científicos. Comentamos a seguir algumas obras de maior circulação e impacto.

Na década de 1890, se dá a publicação de seus primeiros estudos dedicados ao “problema negro” – isto é, aos diversos fatores de exclusão responsáveis pela marginalização da população afro-descendente. Em “Study of the negro problems” [“Estudo sobre os problemas do negro”] (The Annals of the American Academy of Political and Social Science, v. 11, jan. 1898) e The Philadelphia negro (Filadélfia: Univ. Pennsylvania Press, 1899), traduzido como O negro da Filadélfia (Belo Horizonte: Autêntica, 2023), Du Bois sustenta com um volume expressivo de dados empíricos a tese de que a condição social da população negra dos EUA era o resultado de fatores estruturais como o racismo e a desigualdade – percepções contrárias à ciência hegemônica de sua época, contaminada pelas falsas ciências eugenista e evolucionista social, que com sua noção biologizante de raça responsabilizavam os próprios negros por suas mazelas.

Posteriormente, temos em 1903 o lançamento do mencionado clássico do autor: The souls of black folks (Chicago: A. C. McClurg e Co., 1903), traduzido ao português em duas edições distintas: primeiro como As almas da gente negra (Rio de Janeiro: Lacerda Editora, 1999); depois como As almas do povo negro (São Paulo: Veneta, 2021) – versão com prefácio de Silvio Almeida (um dos responsáveis pela disseminação do conceito de “racismo estrutural” no Brasil). No livro, Du Bois expõe de modo pioneiro a ideia – hoje amplamente aceita no cenário intelectual – de que os processos históricos que geraram a modernidade resultaram em estruturas de opressão de consequências longevas, sobretudo para a população negra. Além disto, já adepto do marxismo, ele oferece uma interpretação histórica original da Guerra Civil dos EUA, abordando o conflito como uma experiência revolucionária. Numa linguagem poética e emotiva, mistura análise histórico-sociológica, elementos autobiográficos e ficção, traços que contribuíram para posicionar a obra em lugar de destaque na literatura afro-estadunidense.

A influência teórica do marxismo, no período que compreende as décadas entre 1890 e 1910, é pouco explicitada, por vários motivos que vão da ascensão do macartismo à intensificação da violência racial. Além disto, o autor demonstra ainda uma espécie de “esperança liberal” – ao creditar ao “talento” o “crescimento” (“uplift”) pessoal do negro, o que fica visível no conceito de “décimo talentoso” (“talented tenth”) – uma maneira de identificar perspectivas de ascensão social na sociedade capitalista e racista que passavam fundamentalmente pelo esforço individual. A noção, além de figurar nas obras já apresentadas, compõe a coletânea Talented tenth: second chapter of ‘The negro problem’, a collection of articles by african americans (N. Iorque: James Pott, 1903), complementação de sua anterior obra analítica de 1898.

Por outro lado, se à época a crítica social de matriz marxista aparece de forma parcimoniosa nos escritos científicos, ela é bastante evidenciada nos romances. Aqui, vale lembrar de Darkwater: voices from within the veil [Água turva: vozes através do véu] (N. Iorque: Harcourt Brace, 1920), uma antologia de contos, ficções e relatos autobiográficos, cujo título faz menção à noção de “véu”, metáfora conceitual destinada a sintetizar a exclusão social e o preconceito de cor, já evidenciada nos escritos anteriores. Nos escritos, avalia as consequências devastadoras das clivagens de cor e classe.

Já com John Brown (Filadélfia: George W. Jacobs, 1909), Du Bois investiu na construção de um relato biográfico, fornecendo uma interpretação cultural da vida do líder abolicionista e mártir na luta contra a escravidão que precipitou a Guerra Civil.

Alguns estudiosos demarcam na monografia The negro, de 1915, uma guinada explícita de Du Bois em direção ao marxismo. Nela, assim como em sucessivas obras sobre a história do negro, o autor desloca o olhar analítico do quadro local dos EUA, ao plano internacional, observando os efeitos do expansionismo colonialista, do tráfico transatlântico de escravizados e da exploração do continente africano. Tais traços reafirmam sua abordagem estruturalista do racismo, mas também consolidam outro elemento marcante de sua contribuição teórica: a ideia de “dupla consciência”, uma percepção do “ser negro” como identidade dúbia, de dimensões globais e nacionais. A compreensão de Du Bois acerca da identidade negra, de aspecto transnacional, se relaciona a sua militância política: de um lado o pan-africanismo, do qual foi um dos idealizadores; de outro, o comunismo, em favor do qual se posicionou no decorrer da vida.

Também representativos da perspectiva marxista de Du Bois e de seus debates com o Partido Socialista foram as publicações no jornal The Crisis, no qual ele exercia a chefia editorial. Neles, o autor estabelece uma espécie de mediação entre o socialismo e o ativismo negro de sua época, compreendendo-os como parte de um mesmo ideal. Oferece ainda uma avaliação sobre o proletariado estadunidense, considerando os problemas interseccionais que afetavam a população negra, tendo por base o referencial marxista. Neste quesito, em Karl Marx and the negro [Karl Marx e o negro], de 1933, ele reflete sobre a construção da sociedade pós-Guerra Civil, evidenciando que o passado escravista e o problema racial não foram traços negligenciados por Marx ao pensar o contexto das Américas.

As problematizações acerca do peso da Guerra Civil, o processo de conquista de direitos da população negra, assim como a intensificação da violência racial do momento conhecido como “Reconstrução Estadunidense” são questões trabalhadas com mais fôlego em Black reconstruction in America [Reconstrução negra nos Estados Unidos da América] (N. Iorque: Harcourt, Brace and Company, 1935). A obra permite verificar como a teoria marxista foi empregada pelo autor para pensar o caso específico dos EUA em quesitos como luta de classes, revolução, contrarrevolução, superestrutura e agência humana. Du Bois toma o conflito como experiência revolucionária e, ao mesmo tempo, como ponto de partida dos reacionarismos vividos com a segregação, desenvolvendo uma abordagem original que compreende o escravizado como componente da classe trabalhadora (e não mera propriedade).

Das obras publicadas na fase final de sua vida, ganham destaque os registros autobiográficos, nos quais Du Bois, mais do que realizar compilações de eventos de sua trajetória, combina análises sociológicas e históricas das fases de sua formação e vida política. Um exemplo disso se encontra em Dusk of dawn: an essay toward an autobiography of a race concept [Crepúsculo do amanhecer: ensaio em torno de uma autobiografia do conceito de raça] (Nova Iorque: Harcourt Brace, 1940). Nele, Du Bois desenvolve uma narrativa na qual ele próprio é sujeito e analista, para desenvolver o conceito de “raça” em suas dimensões sócio-históricas. Ali também se encontram os detalhes mais precisos de suas impressões sobre o marxismo em relação ao “problema negro”, assim como uma análise amadurecida de sua trajetória enquanto intelectual e militante.

Já em, 1961, período em que estava de mudança para Gana, Du Bois escreveu uma carta ao Partido Comunista dos EUA – “Letter from W. E. B. Du Bois to Communist Party of the U.S.A.” (https://credo.library.umass.edu) – requerendo sua adesão. Na correspondência, afirma que seu caminho em direção ao comunismo foi lento e que, ainda que se considerasse desde há muito um socialista, não tinha estudado sistematicamente a obra de Marx durante sua formação inicial; mas que, após sua desilusão com o Partido Socialista e leituras mais aprofundadas do marxismo, bem como com suas visitas a países socialistas e com a experiência de viver nos EUA durante a Guerra Fria, tinha percebido com nitidez a incapacidade do capitalismo se reformar. Paradoxalmente, foi justamente quando o comunismo se tornou crime nos EUA que Du Bois fez questão de assumir para o mundo sua convicção enquanto comunista – por meio de uma carta que, mais do que um pedido de filiação, é um manifesto contra a criminalização da utopia concreta de uma sociedade sem classes e emancipada.

Sua última autobiografia, The autobiography of W. E. Burghardt Du Bois [A autobiografia de W. E. Burghardt Du Bois] (N. Iorque: International Publishers, 1968) foi concluída nas vésperas de seu falecimento (1963) e publicada postumamente. Nela, seguindo a toada de textos anteriores, mistura à narrativa autobiográfica elementos de análise dos processos históricos que atravessou, dando ênfase à crítica social sempre acompanhada pelo viés da “linha de cor”.

Em língua portuguesa, cabe menção a traduções de seus artigos no jornal The Crisis, recentemente publicados na revista Crítica Marxista, em dossiê intitulado “W. E. B. Du Bois: Marx, o marxismo e o comunismo” (Crítica Marxista, n. 53, 2021), organizado por Sávio Cavalcante e disponível na rede (www.ifch.unicamp.br), incluindo textos como: “O marxismo e o problema do negro” (1933), no qual questiona uma luta negra nos moldes liberais, defendendo a ideia da luta de classes.

Há também em português sua já apresentada carta ao Partido Comunista dos EUA: “Por que me tornei um comunista” (2020), disponível no portal da filial brasileira da revista estadunidense Jacobin (jacobin.com.br).

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A denúncia da África do Sul contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça de Haia ganhou mais uma manifestação de apoio de Cuba. A ilha caribenha reforçou nesta, sexta-feira (21/06), que defende a acusação de crime de genocídio cometido pelo Estado israelense contra o povo palestino na Faixa de Gaza. Outros países da América Latina, como Brasil, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Chile e Nicarágua, também já se manifestaram favoráveis à queixa.

O governo cubano já havia manifestado apoio à denúncia anteriormente. Agora, porém, o posicionamento deixa de ser declarativo. Com isso, o país passa a exercer o direito de comparecer em tribunal e emitir opinião durante o julgamento.

“Cuba fará uso do seu direito de apresentar, enquanto Estado Terceiro, a sua interpretação das normas da Convenção que Israel violou flagrantemente com as suas ações no território palestino ilegalmente ocupado da Faixa de Gaza”, diz o comunicado do Ministério das Relações Exteriores.

O órgão afirma que o processo “tem como principal objetivo pôr termo às atrocidades cometidas contra o povo palestino em consequência do uso desproporcionado e indiscriminado da força por parte de Israel”.

O texto diz ainda que Israel conta com “total impunidade” e “cumplicidade do governo dos Estados Unidos”. A nota acrescenta que “o genocídio, o apartheid, a deslocação forçada e a punição coletiva não têm lugar no mundo de hoje, nem podem ser tolerados pela comunidade internacional. A justiça e o respeito pela Carta das Nações Unidas e pelo direito internacional devem prevalecer”.

Apresentado em dezembro passado à mais alta corte da Organização das Nações Unidas (ONU), o processo da África do Sul argumenta que as ações perpetradas pelo Estado de Israel são de “natureza genocida”, já que “se pretendem destruir uma parte substancial do grupo nacional, racial e étnico palestino”.

No documento de 84 páginas apresentado pelo país africano, afirma-se que esses “atos de genocídio fazem inevitavelmente parte de um contínuo”, a par de vários crimes de guerra, tais como “ataques intencionais contra a população civil, objetos e edifícios civis dedicados à religião, à educação, à arte, à ciência, monumentos históricos, hospitais e locais onde os doentes e feridos são recolhidos”.

“Uma postura internacionalista e solidária”

Em entrevista ao Brasil de Fato, Akram Samhan, embaixador da Palestina em Cuba, afirma que a posição de Cuba é coerente com “a solidariedade que o povo e o governo sempre tiveram com a causa palestina”.

“Cuba sempre teve uma posição internacionalista e de solidariedade com o nosso povo. Em todas as cidades cubanas se organizaram manifestações contra o genocídio”, lembra.

Samhan cita que o próprio presidente Miguel Díaz-Canel tem convocado e liderado estas manifestações nas ruas exigindo um cessar-fogo e a favor de uma solução para a causa palestina. “O presidente chegou mesmo a se reunir com estudantes palestinos em Cuba, convidando-os a irem ao palácio da revolução para ouvi-los e apoiá-los nessa situação terrível que eles e as suas famílias estão a atravessar”, destaca.

Desde meados da década de 1970, Cuba concede anualmente bolsas de estudo a jovens palestinos para estudarem na universidade na ilha. Atualmente, há mais de 250 deles que estudam medicina em Cuba. Muitos vêm da própria Faixa de Gaza, onde os seus familiares e amigos tentam sobreviver dia a dia.

“Com esta declaração, Cuba junta-se à pressão exercida pela África do Sul para que o Tribunal Internacional de Justiça intervenha a favor de um cessar-fogo total e não apenas temporário. Pressão para que as forças de Israel se retirem do território onde estão a perpetrar este genocídio. Para que a ajuda humanitária chegue à Faixa de Gaza e para que todos os refugiados possam regressar às suas casas”, pontua.

No final de maio, o Tribunal Internacional de Justiça emitiu novas medidas provisórias exigindo a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, assim como o fim dos bombardeios e ataques à cidade de Rafah. Resoluções a que o Estado de Israel desobedeceu impunemente.

Os números do horror

De acordo com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA), desde o início de maio, quando o Estado de Israel decidiu lançar a sua incursão militar contra Rafah, cerca de 800.000 pessoas foram deslocadas. Até então, Rafah era o único local onde os mais de 1,9 milhões de Palestinos deslocados não estavam sob o cerco dos bombardeios.

Após mais de oito meses de ofensivas do Estado de Israel na Faixa de Gaza, mais de 37 mil pessoas foram assassinadas, segundo o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza. Calcula-se que mais de metade sejam crianças. De acordo com cálculos oficiais, 60% das casas foram destruídas. E mais de 10.000 pessoas encontram-se desaparecidas, podendo estar sob os escombros.

Por outro lado, desde 7 de outubro, as forças de segurança de Israel em conjunto com os colonos foram responsáveis pelo assassinato de mais de 500 Palestinos nos territórios ocupados da Cisjordânia.

Recentemente, foi publicado o primeiro relatório oficial da Comissão Internacional Independente de Inquérito das Nações Unidas sobre o Território Palestino Ocupado – incluindo Jerusalém Oriental – e Israel. A comissão conclui que Israel cometeu crimes contra a humanidade, utilizando a fome como método de guerra e infligindo castigos coletivos em Gaza.

“O imenso número de vítimas civis em Gaza e a destruição generalizada de bens e infraestruturas civis são o resultado inevitável de uma estratégia empreendida com a intenção de causar o máximo de danos, ignorando os princípios da distinção, da proporcionalidade e das precauções adequadas”, afirma a Comissão.

Pressão internacional

Apesar da contínua e histórica desobediência do Estado de Israel às resoluções da ONU e às medidas adotadas pelo Tribunal Internacional de Justiça, Akram Samhan afirma que decisões como a de Cuba ajudam a “gerar pressão”.

“A decisão de Cuba faz parte de vários esforços para gerar pressão sobre as grandes potências, especialmente os Estados Unidos, que acabam por permitir que o Estado de Israel continue com o genocídio”.

Nestes esforços de visibilidade e pressão, Samhan destaca o papel da mobilização popular. “Vimos como as pessoas, os jovens em muitos países do mundo, desempenharam um papel importante ao pressionar e obrigar os seus governos a pronunciarem-se a favor do fim deste massacre e desta guerra sangrenta que Israel está fazendo contra o nosso povo”, finaliza.

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BRASIL – Em mais um ataque aos direitos de crianças e adolescentes, deputados de direita e fascistas querem aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição que permitirá aos adolescentes a partir de 14 anos assinarem contrato de trabalho e crianças menores de 14 anos poderiam trabalhar na condição de aprendizes. Hoje, a Constituição permite que jovens a partir desta idade sejam apenas aprendizes, ou seja, que possam trabalhar desde que estejam estudando, sendo vedadas atividades insalubres.

Ao invés de combater o trabalho infantil, de propor soluções para as crianças que estão nas ruas das grandes cidades, que são obrigadas a trabalhar, em alguns casos, em regime de escravidão, os deputados fascistas querem legalizar esta exploração. Nada de novo vindo de um grupo de parlamentares que querem também que crianças vítimas de estupro não possam realizar aborto legal no país.

De acordo com o relatório do deputado fascista Gilson Marques (NOVO-SC), a Constituição teria a seguinte redação sobre o trabalho infantil: “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz.”

Ou seja, a partir de 14 anos qualquer jovem poderá ser contratado em regime de trabalho normal, excetuando as situações de trabalho noturno e insalubre. Abaixo dessa idade, as crianças poderiam ser contratadas na condição de aprendiz, com salários menores, o que ocorre hoje com adolescentes de 14 a 18 anos.

Fim do trabalho infantil é conquista histórica dos trabalhadores

Os comunistas e a classe trabalhadora mundial, desde 1848, se mobilizam contra o trabalho infantil. No Manifesto do Partido Comunista, Karl Marx e Friedrich Engels propunham a “educação pública e gratuita de todas as crianças, abolição do trabalho das crianças nas fábricas, tal como é praticado hoje.”

Desde então, após décadas de greves, lutas e revoluções, os trabalhadores conquistaram este direito às crianças em muitos países. Ainda assim, com o avanço do capitalismo no mundo, cada vez mais crianças são forçadas a trabalhar para sobreviver.

No nosso país, por causa das lutas dos trabalhadores contra a Ditadura Militar Fascista, a burguesia foi forçada a aceitar a proibição do trabalho infantil na Constituição de 1988, mas impôs a lei da aprendizagem, a partir do 14 anos. Antes, a Constituição da Ditadura impunha o trabalho às crianças a partir dos 12 anos.

Ou seja, a proposta dos fascistas e do Centrão é retroceder 50 anos nos direitos das crianças e adolescentes do Brasil. Assim como querem retroceder 70 anos nos direitos das mulheres, querem o mesmo com nossas crianças. Para os fascistas, lugar de criança não é na escola, mas submetida à exploração.

É preciso ampliar a mobilização do povo contra o fascismo, pois estes só querem morte, destruição e exploração dos trabalhadores para garantir os lucros de meia dúzia de bilionários.

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Reproduzimos abaixo uma entrevista realizada pelo correspondente local de AND do Agreste Pernambucano com camponeses da Área Revolucionária Renato Nathan, localizada em Messias, no Estado do Alagoas.

Os camponeses estão sob ameaça de despejo, e relataram ao AND acerca da produção e da direção da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) nas lutas que se desenvolvem no local.

Em entrevista na Área Revolucionária Renato Nathan em Messias/AL, em meio as ameaças de despejo do judiciário, os camponeses organizados pela Liga dos Camponeses Pobres (LCP) há quase duas décadas nos contaram sobre sua vida, produção e luta. Um camponês nos relatou o seguinte sobre a sua produção:

“A gente chegou aqui e chegamos no mato, né? Não tinha dono e tal… E a gente começou a plantar coqueiro, plantar laranja, caju, manga, acerola, graviola, macaxeira, milho… Duas vaquinhas de leite para fazer um queijozinho para vender… Que a gente também sobrevive do queijozinho, que a gente vende aqui um queijozinho todo dia. E vai vendendo ao povo daqui mesmo da cidade né… E umas galinhas, umas cabras lá atrás…. E dois tanques de peixe, que é o normal que tem de ter, né? Um peruzinho, uma coisa… E um carrinho velho para trabalhar, né? E assim a gente vai tocando a vida… A gente não vive no chão, a gente alimenta a cidade. […] porque a cidade depende daqui da gente. “

Demonstrando em sua fala a importância da Área Revolucionária, não apenas para os próprios camponeses, mas para os moradores da cidade em geral que se beneficiam da produção camponesa. Outro camponês nos contou como era na região antes do corte popular:

“Bom, quando eu cheguei aqui, na verdade aqui não tinha nada. Isso aqui não tinha nada, não tinha um pé de jaca, não tinha nada que você ficasse debaixo. O que tinha era só capim, só capim e capoeira. Era o que existia aqui no Lajeiro. Então… A gente chegou, tinha uns pessoal aí que começou a plantar uma rocinha ali, mas não conseguia colher… Plantava, o povo roubava. Aí aqui era desova de animais, depois foi desova de ser humano. Eu não estava presente não, mas encontraram o cadáver por aí, chamaram a polícia e tal… de vez em quando encontrava pessoas desovadas aqui, nessa área aqui, porque era desabitado, isso aqui era desabitado.”

Perguntamos acerca da Liga dos Camponeses Pobres e um dos entrevistados nos respondeu sua avaliação sobre o movimento camponês:

“Muito boa! Olha, a Liga, essa Liga daqui é uma família. É uma família junto mesmo, porque ninguém tem o poder só porque é presidente nem cresce mais do que ninguém. Porque é um, que nem o dirigente mesmo, que é um batalhador. Ali é um batalhador, vive só batalhando pelos outros. E não batalha para ele, batalha para os outros, né? Como muitos que tem na liga, né? Entendeu? Só pega a terra para o povo trabalhar. Conviver, eu acho que tá muito bom, muito, muito, muito bom. Não tem que falar da companheira coordenadora, minha amiga. Não, ela não fala como presidente com ninguém, ela fala como, igual a todo mundo. Liga tá muito boa.”

Com grande indignação um deles nos respondeu acerca daqueles que querem negar que aquela terra pertence aos camponeses:

“Ninguém diga na minha cara não, que vai se acabar mesmo no cacete, na bala… O cara pra me chamar de vagabundo preguiçoso ele tem que ser muito homem porque não é fácil… A gente vive nessa luta pra batalhar o pão de cada dia como nós todos aqui vivem, aí tem um vagabundo que vem dizer que o cara é vagabundo… principalmente pessoas que não tem nada a ver com a terra. Quem diz isso aí é quem não tem nada a ver, que defendem os usineiros que não vivem na terra, que tem inveja, que tem raiva… aí fica falando isso aí. A gente tem muitas pessoas aí em Messias que eles falam isso “ah, porque esse povo tem que sair mesmo, fica tomando o que é da usina”… Só que não diz na vista da gente porque se disser… eles sabem que não diz. Se for perguntar, eles dizem “não mas tudo bem…”

Sobre a luta contra ameaças de despejos um dos camponeses nos contou a longa luta contra sucessivas ataques e a disposição para a luta:

“Já teve cinco, fora essa ameaça agora. Já derrubou cinco. Porque aqui, a gente veio pra aqui… E a gente fiquemos aqui, com um ano e pouco,chamamos por dois anos, e a gente sempre construindo. E a Liga sempre nos apoiando, dando-nos apoio e buscando a realidade. A Liga falou a gente vai brigar até o fim.”

Finalizando a entrevista pudemos perceber o clima de revolta entre os camponeses ante a mais uma tentativa de despejo movida pelos usineiros, um dos camponeses afirmou:

“O que eu tinha eu vendi para investir aqui, é o que você está vendo aqui no cercado. As coisinhas que eu tinha que investir, pronto. Não tem uma casa, se disser assim “hoje…” – que Deus alivre – “vou sair do Lajeiro”, vou ficar na rua. Então eu digo hoje, nessa entrevista que estou gravando. Aqui eu peço a Deus que Deus tome a frente e que não venha nada de mal. Porque aqui, para me tirar daqui tem que ter tropa boa. Porque senão vai ter conflito, vai ter bala e fogo, porque aqui eu vou fazer o que mais se eu sair daqui? “

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As intervenções recentes de Francisco Bosco e Joel Pinheiro da Fonseca suscitaram a reflexão sobre a relevância ou não dos “intelectuais” (progressistas) e do mundo campi, o seu locus, na maioria das vezes. Foram, cada um à sua maneira, provocativos para alguns, ultrajantes para outros, por mobilizarem Olavo de Carvalho na conformação de seus argumentos. Não ratificando as reprovações ofensivas do escritor conservador, o colunista da Folha e o ensaísta carioca, ponderam que as denúncias (violentas) dele tinham lógica, no mínimo: tendo como parâmetro o que se tornou a vivência nas universidades brasileiras, sobretudo, as públicas. O ponto principal, dentre outros, para Carvalho, Bosco e Fonseca, é que a universidade brasileira – representada pelos seus agentes mais importantes, o corpo docente e, em menor medida, o discente – na esmagadora maioria se converteu, ou sempre foi, um espaço elitista, com irrisórias preocupações acerca de questões relevantes (social, política e culturalmente), e de pouca, ou quase nenhuma, organização plural da dinâmica quanto ao aprendizado e circulação de ideias. Respostas se sucederam na nova esfera pública (Habermas) e na vídeoesfera (Debray). Acadêmicos e acadêmicas rechaçaram um e outro por, de certo modo, subscreverem as missivas deselegantes do autor de O imbecil coletivo e Aristóteles em nova perspectiva: teoria dos quatro discursos. O que podemos meditar, criticamente, a partir das considerações de Francisco Bosco e Joel Pinheiro da Fonseca? Nessa primeira parte, trato da questão da pluralidade ou não do que se ensina nas universidades públicas hoje. Na segunda parte ensaio, uma definição de intelectual como contribuição ao debate de esquerda e ao pensamento crítico-radical.

De meu ângulo de observação, particularmente sobre a pluralidade nas ciências humanas e a presença de autores e autoras de direita, conservadores e liberais, nos currículos das universidades, proponho três argumentos.

Primeiro, tendo a concordar, parcialmente, com o raciocínio de Jessé de Souza em sua coluna no ICL-Notícias, de que as universidades no Brasil são espaços institucionais conservadores, liberais e, como pessoa negra, não poderia deixar de afirmar, absolutamente, racistas. O que significa dizer, por óbvio, que estão distantes de serem locais em que a esquerda enquanto tal e a esquerda enquanto estrutura prático-mental predominam; uma coisa são os objetos que se estudam nas ciências socias, na filosofia, na história, na teoria literária e nos estudos de cultura – nesse caso, existe uma força relativa dos autores e autoras do campo crítico –, outra coisa é o ambiente interno mesmo à universidade: as interações diárias, as posturas pessoais correntes, o trato na condução de detalhes do cotidiano, o perfil de quem toma as decisões e a quem interessam essas. Asseverar que um meio social composto por mais de 90% de pessoas brancas em seu corpo docente e discente e que, em contrapartida, apresenta um número considerável de mulheres negras trabalhando como secretárias de departamento, de direção, de reitoria, sem mencionarmos as empregadas terceirizadas da faxina que são de pele preta, – e tudo isso com um naturalismo cínico que sequer Machado de Assis pensou em dar forma literária em romances, contos e crônicas – é de esquerda, é inegavelmente, de um risível desmedido, mas esse, claro, não é o problema para nossos escritores; aqui há uma verdadeira frente ampla entre uma presumida “esquerda” universitária e eles.

Ainda sobre essa linha de pensamento, estudar e pesquisar Althusser e Benjamin, Lacan e Thompson, Adorno e Derrida, Habermas e Deleuze, Fraser e Benhabib, Butler e Freud não torna ninguém, verdadeiramente, de esquerda. Nem mesmo, com certa variação, ao se investigar Lênin, Rosa Luxemburgo, Trótski, Gramsci, Kautsky, Frantz Fanon, Daniel Bensaid etc. torna alguém de esquerda. Essas pessoas serão, antes, um/a especialista que pesquisa (profissionalmente) Althusser e Benjamin, Lacan e Thompson, Adorno e Derrida, Habermas e Deleuze, Fraser e Benhabib, Butler e Freud, e leitor ou leitora de Lênin, Rosa Luxemburgo, Trótski, Gramsci, Kautsky, Frantz Fanon, Daniel Bensaid etc. – mas não necessária, indiscutível e fatalmente de esquerda. É evidente que o caminho dele ou dela para essa corrente é melhor forjado; tem-se uma ponte teórica e de ideias para se chegar a ser de esquerda, crítico, e daí talvez um militante partidário, de movimentos populares e ativista da sociedade civil. Por outro lado, há um grupo de indivíduos que fazem parte desses últimos sem passar pela formação técnico-acadêmica em universidades de excelência.

Ademais, é preciso identificar com algum delineamento objetivo, se certas teorias de certos filósofos, sociólogos, historiadores e críticos da cultura são “realmente” de esquerda – é possível afirmar categoricamente que Jürgen Habermas, Pierre Bourdieu, John Rawls, Seyla Benhabib, Quentin Skinner, Richard Rorty, para citar alguns, sejam de esquerda? – e se assim o forem, qual especificidade? Em relação a que outras abordagens? Qual o impacto dela ou delas na luta de classes? Bosco e Fonseca também não se questionam acerca da constelação de disciplinas nas humanidade. É possível mobilizar o mesmo argumento para a teoria literária e a ciência política? Para a história e a sociologia? Para a filosofia e o direito? Enquanto na teoria literária a crítica marxista-materialista tem presença inconteste (György Lukács, Theodor Adorno, Raymond Williams, Roberto Schwarz, Fredric Jameson, Paulo Arantes, Walter Benjamin, Terry Eagleton), a ciência política e/ou teoria política ainda possui traços epistemológicos da “Guerra Fria” – com raras exceções corajosas como o departamento de ciência política da Unicamp.

Segundo, o ensaísta e o colunista sustentam a ausência de bibliografia conservadora nos cursos, disciplinas, dissertações e teses de pós-graduação. Bosco cita Michael Oakeshott como exemplo e nesse ponto a afirmação de um e outro tem de ser melhor definida. Se Oakeshott – que diga-se, tinha profunda aversão, antipatia, repulsa e hostilidade à democracia de massas ou popular – é um autor esquecido, não se pode dizer o mesmo de Edmund Burke, Alexis de Tocqueville, John Stuart Mill, Joseph de Maistre, Carl Schmitt, Raymond Aron e Hannah Arendt. O que Olavo de Carvalho exigia era a inserção de autores desconhecidos (o que não é um critério para se ler/estudar ou não um autor) do circuito acadêmico brasileiro (e arrisco a dizer latino-americano). Isso era agravado pela característica do mercado editorial nacional e seu veio pragmático. Nomes como Xavier Zubiri, Louis Lavelle, Georges Bernanos, Mortimer Adler, René Guenon, Antonin G. Sertillanges, Bertrand Jouvenel, passaram a ser publicados após as próprias intervenções de Olavo de Carvalho: assim, é responsabilidade da direita o esforço de fazer emergir nas discussões “cultas” e “eruditas” seus autores e autoras (não-convencionais) de predileção, e não, de certo modo, das universidades públicas em um primeiro momento. Se a direita brasileira se contentou por anos, a estar presente e conquistar espaço na imprensa corporativa (como Joel Pinheiro da Fonseca o tem, e Francisco Bosco, um liberal-progressista que também o tem) e abdicou de disputar o âmbito das universidades públicas, um campo/espaço esse com modalidades de sentimentos que lhes seriam favoráveis como dissemos, foi por preferência, conveniência e circunstância ideológica. O próprio Olavo de Carvalho passou mais de duas décadas escrevendo para a mídia tradicional conforme pesquisa do historiador Lucas Patschiki. Francisco Bosco e Joel Pinheiro da Fonseca têm de questionar por que donos e donas de casas editorias (de viés mercadológico) não se esforçam, coletivamente, para ampliar a circulação dos autores a que se referia Olavo de Carvalho – induzindo o interesse pela teoria política de direita. Cobrar, implicitamente, da esquerda (a universitária ou outra) não me parece o mais interessante: já somos totalitários, contra as liberdades individuais, defensores de ditadores e tiranos, corruptos, fiadores de crises sucessivas do país. O que nos faltava era sermos avalizadores da não-presença de Eric Voegelin e Roger Scruton nas universidades e nos suplementos de cultura (da Folha, Estadão, O Globo, Correio Braziliense). A obscenidade de nosso tempo e a intransigência mental de certos setores chega ao nível de exigir de adeptos do pensamento crítico, socialista, comunista e progressista, que defendam as ideias de direita, o conservadorismo e o liberalismo. Respeitar, ofertar o devido reconhecimento das qualidades intelectuais e força teórica de escritores de direita não se confundem com a defesa e a disseminação deles.

Terceiro, a relativa dificuldade do pensamento de direita, conservador-liberal, em se conformar como sistema de cultura – pesquisa, leitura, disciplinas, teses/dissertações, encontros de área – no contexto das universidades e mesmo nas discussões públicas tem uma lógica histórico-social e histórico-cultural, ao menos entre nós. Uma nota acadêmica nessa chave se faz necessária. Ora, afirmar que as ideias conservadoras estão ausentes das universidades é, novamente, impreciso e desatento. Bosco e Fonseca, de modo equivocado, pois constroem discursos esvaziados de conhecimento, obliteram que pensadores como Oliveira Vianna, Alberto Torres e Azevedo Amaral são estudados nas ciências humanas brasileiras – até este momento, malgrado a contribuição inestimável para o entendimento da sociedade brasileira proporcionado por seus ensaios de interpretação, ainda não são considerados escritores de esquerda.

Tratando dos teóricos exigidos pelo ensaísta e pelo colunista da Folha, há um aspecto peculiar em termos compreensivos e socioculturais como dissemos. O pensamento conservador clássico (europeu, fundamentalmente) tem na premissa nostálgica do passado ponto fundamental. Assim, a obra de Oakeshott, expressa, por exemplo, um elogio elegante, sútil e proseado das formas de organização do “governo da Inglaterra Medieval”: esse não se baseava em absoluto no “estabelecimento de coisas boas em abstrato, […] [na] perfeita vida humana”, mas somente em “provisões judiciais de estilo cético”.1 E sir Roger Scruton (agraciado com honrarias do Estado húngaro pelas mãos de Viktor Orban) asseverava que deve se desconfiar da democracia por desprezar os desejos dos “que já morreram, […] [o desejo] de gerações passadas”;2 com efeito, para Scruton, não podemos afiançar sem meditações cuidadosas o fim da Monarquia – “[pois] os monarcas são, num sentido muito especial, a voz da história, e o modo muito acidental [sic] por meio do qual eles recebem o cargo enfatiza as bases de sua legitimidade na história de um povo, de um lugar e de uma cultura”.3 Transpostos para a experiência e entendimento de si da sociedade brasileira (aqui é necessário fazer alusão ao nosso cinismo), particularmente, no espaço das universidades públicas, converteriam-se em um conservadorismo difícil.

Definitivamente, para além das rebeliões quilombolas – a auto-organização política dos negros e negras (ex)escravizados irradiados a partir de Palmares – não temos um passado de glórias. Nosso pretérito, infelizmente (ou felizmente para alguns…) Bosco e Fonseca, é o da senzala, da violência do chicote, do atraso bárbaro, do latifúndio, do mandonismo, dos golpes empresariais-civis-militares e tutti quanti. A leitura, estudo e pesquisa de certos autores e obras, mesmo em uma cultura de desfaçatez de classe como a nossa, “obedece”, por vezes, estruturas de sentimentos presentes – em linguagem hegeliana, a filosofia são as vicissitudes do mundo histórico em contradição. Os alemães, por exemplo, não leram Thomas Hobbes com afinco no período de 1900 a 1933 por mera fortuidade; o Leviatã, era a teorização que proporcionava, naquela quadra, a melhor possibilidade de entendimento sobre o significado do Estado moderno em uma sociedade abatida por crises políticas, revoluções e exigências de formação institucionais que fossem condizentes com os projetos da nação. Nossa busca eterna de superação de nosso passado infame responde a ânsia pelo pensamento crítico, de “esquerda”, ao longo de nossa história social, política, cultural e intelectual – seria um tanto peculiar se ao invés de Gramsci e Foucault, predominasse por aqui, nos campi, Jordan Peterson e Russell Kirk. As exigências de Francisco Bosco e Joel Pinheiro da Fonseca são legítimas, mas necessitam de formulações mais bem elaboradas, coerentes e consequentes (assumindo as implicações de autor A ou B) – e, talvez, obscenas como às do Brasil Paralelo e sua defesa da sociedade remota, inclusive a nossa (e que ainda persiste). Determinar que uma suposta “esquerda” universitária e o pensamento crítico (socialista, comunista e progressista) o façam, parece-me um pouco ingênuo, para não dizer ridículo.

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No dia 9 de junho, a Alemanha elegeu 96 das 720 cadeiras para o Parlamento Europeu. 46,6% dos votos foram para a direita, sendo 30% para a União Democrata-Cristã (coligação entre CDU e CSU) e 15,9% para a Alternativa para a Alemanha (AfD). Este tornou-se, assim, o segundo partido mais importante da Alemanha no âmbito europeu. O partido de Sahra Wagenknecht, dissidente – à direita – do Partido Social-Democrata (SPD), levou 6% dos votos.

A Coalizão Semáforo governista teve um desempenho pífio. O SPD, partido do chanceler Olaf Sholz, os Verdes e o Partido Democrático Liberal (FDP) angariaram respectivamente 13,9%, 11,9% e 5,2% dos votos, ou seja, pouco mais de um terço dos votos totais, contra metade conquistada pela direita. A esquerda representrada pela Die Linke levou 2,7% dos votos, ao passo que a do Volt, 2,6%.

Criada em 2013, em meio à crise da zona do euro e contra a permanência da Alemanha na União Europeia, a AfD cresce exponencialmente. De acordo com a pesquisa realizada pelo tagesschau, quem perdeu a maior parte dos votos foram os verdes, que sofreram uma queda abrupta em relação às últimas eleições (perdendo 8,6% dos votos). Essa perda revela uma mudança na centralidade de algumas questões em torno das quais tem girado a política europeia.

Para a maior parte dos eleitores (26%), a questão decisiva na escolha eleitoral foi “a manutenção da paz” – 4% a mais que na eleição de 2019. A segunda mais importante (23%) foi a seguridade social, que também subiu 3%. A terceira, imigração (17%), que aumentou 5%. Já a quarta questão, clima e proteção ambiental (14%), caiu nove pontos percentuais em relação a 2019. Como se vê nos quadros abaixo, enquanto a CDU e o SPD se mantém mais ou menos estáveis (após um tombo entre 2014 e 2019), a AfD sobe na medida em que os verdes declinam, o que pode indicar uma transferência de votos de um partido a outro:

Entre os eleitores da AfD, a imigração aparece em primeiro lugar (46%) como fator decisivo para a escolha eleitoral. A maior parte desse eleitorado tem entre 35 e 44 anos (20%), mas o voto no partido cresceu 7% nas faixas entre 25 a 34 (18%) e 11% na faixa dos 16 aos 24 anos (16%). O perfil do partido é bastante jovem (54%) e de classe trabalhadora (33%), o que indica uma insatisfação generalizada no âmbito do trabalho e da renda já que, além de ser composta por uma maioria trabalhadora, a AfD atrai principalmente a chamada população economicamente ativa. A maior parte do eleitorado tem somente educação básica e homens são maioria em relação às mulheres.

A AfD foi vitoriosa em Brandenburgo, na Turíngia e na Saxônia, estados que compunham a República Democrática Alemã – o que indica, por sua vez, uma espécie de questão setentrional no país, que se constituiu a partir da queda do muro de Berlim e do fim do socialismo. Os dados revelam o caráter ideológico da ideia de “reunificação” – um processo que ao invés de unir leste e oeste, subjugou o primeiro ao último. Quando a Alemanha oriental foi incorporada, houve um processo privatização e desindustrialização sem precedentes nessa região – um processo que submeteu os habitantes do antigo país socialista ao desemprego e subemprego – inclusive porque parte dos diplomas da RDA não foram reconhecidos posteriormente pela Alemanha Ocidental. É discurso corrente, entre os alemães, que a população do leste da Alemanha vota na AfD porque está acostumada a viver fora de um regime democrático. Mesmo com o crescimento perigoso do neonazismo nessa região, as consequências do processo de subjugação do leste não são reconhecidas e a propaganda da AfD apela constamente para o medo dessa população de ser mais uma vez a perdedora da história – o que explica muito mais o voto na extrema-direita que uma falta de gosto pela democracia.

A grande vitória nas eleições de domingo, segundo a interpretação que circula na grande mídia, explica-se, principalmente, pela rejeição ao governo da Coalizão Semáforo. E, de fato, o governo da Coalizão tem sido uma decepção da esquerda à direita. Mas a mera rejeição de um lado não explica a migração dos votos para a extrema-direita. Parece-me que, para explicar essa guinada, é preciso combinar a análise de conjuntura com uma análise da propaganda da AfD, que tem sido muito eficaz em mobilizar a insatisfação e o desejo de mudança que orienta atualmente a política nacional. Afinal, um partido de pouco mais de dez anos não obtém sucesso tamanho num país de regime parlamentarista a não ser que domine essa linguagem, o que significa dizer que a forma como esse movimento se organiza é fundamental para compreender como ele ganha cada vez mais espaço.

Conforme tenho defendido aqui, a indústria cultural digital contemporânea (leia-se, o sistema das plataformas) tem servido como a principal forma de organização da extrema-direita, substituindo a forma tradicional do partido e fazendo surgir um novo partido digital de massas, com capilaridade inédita na história da política mundial. Isso certamente vale para a AfD. O Brasil e outros países periféricos serviram de laboratório para uma forma de organização de que se torna cada vez mais difundida na Europa. Além disso, vale ressaltar que a análise dessa proganda de extrema-direita, que parte da esquerda preteriu como forma puramente ideológica em nome de uma “agência dos agentes”, permite observar quais os pontos de pressão intensificados por ela, dado que seu sucesso aponta para uma homologia entre emissor e receptor.

Como frisei, algumas questões como a guerra, a imigração, o crescimento do voto jovem na extrema-direita e a perda de importância da pauta do clima estiveram no centro dessa guinada. Uma vez que tenho pesquisado a propaganda bolsonarista nas redes sociais e, ao mesmo tempo, morado por diversos períodos na Alemanha nos últimos anos, passei a acompanhar também a extrema-direita por aqui. Creio ser extremamente necessário um estudo da propaganda de extrema-direita de forma comparativa, uma vez que ela se organiza globalmente pelas redes sociais. É preciso entender o que está acontecendo em cada um dos países nos quais ela cresce para traçar estratégias à esquerda.

Abaixo, comento, a partir da propaganda da AfD, alguns pontos que parecem relevantes para compreender o resultado de domingo.

A guerra

A entrada da Alemanha na guerra entre Rússia e Ucrânia “custou caro” sob diversos aspectos. A crise energética – sensível no aumento do preço do aquecimento na Alemanha nos últimos anos – e a insegurança social, econômica e mesmo ontológica trazidas pela guerra criaram um grande desapontamento com o governo da coalizão. E isso justamente num momento de saída da pandemia, quando a economia ainda se recuperava da crise anterior e a direita negacionista ganhava cada vez mais espaço. A inflação também aumentou sensivelmente.

Como tantos governos de extrema-direita – imiscuídos na internacional neofascista – a AfD mobilizou o discurso do “patriotismo” para criticar a participação da Alemanha numa guerra que “não era dela”, uma guerra que, como mostrou a pesquisa supracitada, causou empobrecimento e insegurança para sua população, algo que foi sentido intensamente no estados do leste, regiões que padecem de um alto índice de pobreza. Scholz diminuiu o orçamento para políticas sociais e aumentou os gastos com a re-militarização da Alemanha. A AfD culpa os Estados Unidos, mas especialmente, o governo de Joe Biden pela guerra e se aproxima cada vez mais de uma posição pró-Rússia.

De certa maneira, houve uma inversão de posições produzida pela guerra. Como se sabe, Merkel buscou construir uma longa (embora tensa) relação com a Rússia e com Vladimir Putin. Partidos como a CDU/CSU, o FDP e o SPD eram favoráveis à construção do gaseoduto Nord Stream entre a Rússia e à Alemanha, bem como a uma aproximação entre a Rússia e a União Europeia – mesmo após a anexação da Criméia pela Rússia em 2014. Após o início da guerra, os mesmos partidos apoiaram a Ucrânia e defenderam uma política de independência em relação ao gás russo. A AfD viu nessa mudança uma oportunidade política que rendeu de fato muitos votos: a crítica da guerra.

A ala da AfD mais favorável à Rússia é a fração concentrada na Bavária, que defende uma “União Econômica da Eurásia” – mas houve uma aproximação do partido como um todo com o governo de Vladimir Putin nos últimos anos. Dois de seus principais representantes, Maximilian Krah, expulso da corrente de Marine Le Pen “Identidade e Democracia” no parlamento Europeu por afirmar que “nem todo membro da SS [Schutzstaffel] era um crimonoso”, e Petr Bystron, deputado desde 2017 pelo partido, são atualmente investigados por colaborar com Viktor Medvedchuk, um ex-oligarca ucraniano ligado ao Kremlin, responsável ​​por uma operação de desinformação ligada ao site Voz da Europa. Um vídeo no Instragram, no qual o programa da AfD é descrito em 60 minutos, pede o fim das sanções (em nome da colaboração com países de fora do bloco) e termina com a frase: “Menos União Europeia, mais liberdade”. A atual líder do partido, Alice Weidel, uma mulher lésbica (que é contra o casamento homoafetivo e que afirma, ao mesmo tempo, que o islamismo é uma ameaça aos homossexuais na Alemanha) também visitou Moscou nos últimos anos e tem conduzido uma campanha contra a entrada da Ucrânia na União Europeia. A propaganda anti-guerra da AfD foi amplamente difundida nas redes sociais:

Junto com esses pôsteres, a AfD ainda escreve, empregando um lema do pós-guerra [nie wieder, isto é, nunca mais] que faz referência imediata ao Holocausto: Nunca mais guerra!/ Nunca mais guerra em solo alemão!/ Nunca mais guerra com participação alemã!/Nunca mais guerra com armas alemãs!/Repensar”. Além de aludir ao medo de uma sociedade que se destruiu e foi destruída duas vezes pela guerra, nota-se aqui a clássica tática de inversão, desvio ou interversão da propaganda fascista, uma vez que diversos membros da AfD são negacionistas do Holocausto – como Björn Höcke, um dos líderes do partido, que é abertamente neonazista. Professor de história e especializado em história alemã, ele defende um giro de 180 graus na “política da memória”. A utilização dos slogans do pós-guerra contribuem com esse apagamento histórico, que reposiciona os neonazistas e o povo alemão na história, como verdadeiras vítimas de uma guerra que não é deles.

Mas isso não significa que a AfD seja pacifista. Além do apoio ao genocídio em Gaza (um ponto de contato com a Coalização Semáforo) – a despeito de seu antissemitismo manifesto (o que demonstra que a guerra nada tem a ver com isso) –, o partido defende o desenvolvimento de armas atômicas na Alemanha – ao lado da CDU/CSU, do FDP e, agora dos Verdes, adversário de longa data da estratégia nuclear (indicando que uma nova corrida armamentista está na esquina) – e a energia atômica como solução para os problemas ambientais, energéticos e políticos. Justamente em 2023, a Alemanha comemorava o fechamento das últimas três usinas nucleares que possuía, indicando o fim de uma era atômica no país. A energia e as armas atômicas também garantiriam ao país, segundo o discurso da AfD, independência em relação aos Estados Unidos e à OTAN, uma vez que a Alemanha não tem armas nucleares e depende do Oriente Médio (novo parceiro comercial após o rompimento com a Rússia) para a importação de energia. A política alemã, em poucos anos, retroceu décadas. A Alemanha se prepara para guerra e acabou de abrir um programa de alistamento voluntário para ampliar seu contingente reservista. Homens e mulheres dispostos a passar pelo menos seis meses no programa vão ganhar entre 1500 e 1900 euros por mês.

De qualquer forma, é impossível não notar que a AfD foi, entre os maiores partidos, o único que se contrapôs (sem dúvida, de forma cínica e oportunista, como toda a extrema-direita) à entrada na guerra, uma posição que cabia à esquerda (e ao governo) ter tomado. Ela se vendeu como “o partido da paz”. Ao fazer a população pagar pela guerra (logo depois de uma pandemia), a Coalizão Semáforo perdeu sua frágil popularidade e ainda revelou o papel subalterno da Alemanha em relação a outros países da OTAN, protagonizando uma re-militarização que a AfD também (e contra Scholz) quer levar às últimas consequências com o desenvolvimento de armas nucleares. Nesse contexto, esse pode ser um ponto possível para uma futura coalizão de extrema-direita.

Greenlash e o futuro

O sucesso eleitoral dos Verdes na eleição do Parlamento Europeu de 2019, e do (já desacreditado e neoliberal) Green New Deal advindo desse contexto não sobreviveram à pandemia, à guerra e à inflação. Muitos europeus que são a favor da transição energética se deram conta de que não querem eles próprios pagar por ela – o que ficou evidente nas urnas.

Embora suas afinidades com o neoliberalismo sejam evidentes, os Verdes emergiram dos movimentos de protesto da década de 1960 e defenderam uma política externa pacifista até 1999, que se encerrou com a participação do partido, que fazia parte da coalização do governo, na Guerra do Kosovo. O apoio dos Verdes à guerra (maior que o do SPD) e seu protagonismo no envio de armas pesadas à Ucrânia fizeram sua popularidade despencar. Ademais, o acordo de energia com o Qatar, a exploração da mina de carvão de Lützerath e os escândalos de corrupção e de acordos secretos com a empresa de energia RWE (uma das maiores emissoras de carbono do país) que rondam Annalena Baerbock e Robert Habeck, dos dois maiores representantes do partido na coalizão, desgataram ainda mais a confiança no partido. Patrick Graichen, braço direito de Habeck no partido, apontou seu padrinho de casamento para a presidência da Agência Alemã de Energia. Além disso, Habeck foi fortemente atacado por seu envolvimento com o plano de fechamento das usinas nucleares em meio à crise energética de 2022.

Os Verdes são talvez o maior inimigo da AfD e um dos principais alvos de sua campanha. Além de explorar a hipocrisia do partido, que defende a transição energética, mas apoia a exploração de minas de carvão e, agora, a corrida nuclear, a AfD também mobilizou intensamente a ideia de que os Verdes são o partido do privilégio, daqueles que podem sacrificar o presente para garantir o futuro. Em sua campanha, a AfD associou a transição energética à desindustrialização e, portanto, ao enfraquecimento da classe trabalhadora alemã, ainda fortemente empregada na indústria (o que explica em parte a adesão da classe trabalhadora às suas pautas) – vale lembrar que a Alemanha é o país mais industrializado da Europa:

Todas essas propagandas, circuladas no Instagram, mostram como a AfD explorou a crise dos Verdes e obteve sucesso em reverter a pauta da crise climática (como se viu nas pesquisas e nas urnas). Como na pandemia, que preparou o terreno em muitos aspectos para essa ascensão, a AfD sustentou um discurso de combate ao pânico. Vale dizer que a Alemanha tem políticas de natalidade para lá de complicadas de uma perspectiva feminista e, para a extrema-direita, o incentivo à família envolve a manutenção da identidade e da raça alemãs. O cenário apocalíptico do clima ou, como eles propagandeiam, a “histeria climática”, estaria contribuindo para a decância do povo alemão.

Além disso, essa propaganda pressiona e ativa uma série de ansiedades econômicas, associando a transição energética à desindustrialização e ao enfraquecimento da economia alemã. Em resposta à tentativa do governo de limitar a poluição proveniente das atividades de agricultura, o agronegócio se organizou e invadiu Berlim com seus tratores. Neles se via uma bandeira pendurada: “Farmes for future” [Fazendeiros pelo futuro], uma referência distorcida ao movimento “Fridays for future” [sextas-feiras pelo futuro], um dos maiores movimentos sociais da Alemanha e da Europa atualmente (cuja maior expoente é Greta Thunberg). Como no Brasil, a propaganda ligada ao agronegócio busca resignificá-lo: ao invés de um empreendimento capitalista extremamente neoliberal e nocivo à natureza, ele é retratado como um setor da economia que preserva as tradições do campo, alimenta as pessoas e cumpre, assim, até mesmo uma função social – com isso, a AfD também ganha força no interior do país e reativa o ódio nazista às grandes cidades e a seu cosmopolitismo (vale mencionar o ódio de Hitler a Berlim, por exemplo).

Esse tipo de propaganda, por fim, também é capaz de expandir a noção de econômico e fazer as pessoas sentirem-na no seu cotidiano.

No vídeo, em que várias razões para não se votar na AfD são elencadas – “se você deseja a guerra, não vote na AfD; se acha que homens podem engravidar, não vote na AfD” –, aconselha-se às pessoas que gostam de comer insetos, que não votem na AfD. A afirmação estapafúrdia associa a questão climática ao fim do gozo com a comida, na nossa sociedade associado ao consumo de carne (não à toa, o veganismo também é um dos alvos favoritos da direita) e é uma tática que já foi utilizada no Brasil por Carlos Bolsonaro. A ideia é levar ao limite os cenários de sacrifício que a crise climática atual exige e, assim, fazer com que as pessoas, por medo de perder seu modo de vida, sequer reconheçam o problema – uma espécie de mobilização reacionária do surrealismo tão inacreditáveis são os exemplos. A Alemanha, embora tenha diminuído sua emissão de CO2 (2024 foi o nível mais baixo dos últimos 70 anos), em 2024, já consumiu em 4 meses o que deveria ser consumido, num patamar sustentável, em um ano inteiro. Ao contrário do governo, a AfD não exige de seus eleitores sacrifícios e, além disso, promete recompensas no presente. Uma política de esquerda precisa estar consciente desse problema ao formular um programa que tenha no seu centro a mera sobrevivência, por mais justa e verdadeira que seja a ameaça climática.

O bode expiatório: Re-imigração

No dia 2 de junho de 2024, numa manifestação de extrema-direita, um imigrante do Afeganistão esfaqueou um policial em Mannheim, que morreu em seguida. Esse caso, muito comentado na Alemanha, incendiou as redes sociais da AfD antes da eleição para o Parlamento Europeu. Scholz chegou a falar em “deportação de criminosos” a partir do caso. O tópico da re-imigração – o projeto de mandar os imigrantes de volta para os seus países, ou seja, em termos explícitos, de deportações em massa – dominou o debate na última semana.

A AfD ofereceu como resposta para a desigualdade de renda, a crise inflacionária e energética produzida pelo que Herbert Marcuse chamou de Warfare State , um projeto de des-imigração ou de re-imigração. A política vem na esteira da crise de 2008, mas a técnica é antiga e tem raízes históricas na Alemanha nazista. A Europa tem uma longa história de racismo – típica de um continente imperialista e colonialista. Mas isso se intensificou com as migrações que ocorreram a partir de 2003 após a invasão dos Estados Unidos ao Iraque e a outros países do Oriente Médio, invasões que foram seguidas por vários países europeus. A migração foi acompanhada de uma onda de xenofobia no continente que deveria ter prevenido qualquer surpresa em relação aos resultados eleitorais de domingo. Mas, ao contrário do que afirma a AfD, a imigração na Alemanha não está apenas ligada à guerra.

É evidente, no país, a recusa dos alemães de exercer trabalhos ligados à reprodução social. A Alemanha tem flexibilizado as regras para obtenção de cidadania para atrair trabalhadores para esse setor. Contrata-se estrangeiros para o ensino infantil, trabalhos hospitalares, trabalhos de limpeza, cozinha, transporte, entre outros. Por isso, o argumento comum de que os “estrangeiros estão roubando empregos” foi repaginado e, hoje, a pauta da re-imigração tem menos a ver com a questão laboral – embora permaneça, como todo bode espiatório, com um fundo econômico e se entrelaça com questões de seguridade social, de raça e de gênero, como se vê nas propagandas abaixo:

Como se vê, a propaganda da AfD combina uma série de fatores. Ao recorrer ao slogan feminista “meu corpo, minhas regras”, inverte-o, (como faz a propaganda bolsonarista no Brasil), equiparando o corpo feminino ao território, para promover a islamofobia e negar às mulheres islâmicas o direito ao seu próprio corpo. O corpo não é mais o corpo individual das mulheres, mas a terra, comandada por seus proprietários, que têm direito “natural” a ela. Ao acusar o gasto associado à imigração por ser, como a guerra, uma fonte de déficit para a seguridade social – algo muito presente nessa última campanha para o parlamento, que pediu o fim do pagamento de benefícios sociais e atacou fortemente o subsídio para cursos de línguas para os imigrantes, o que é também uma forma de exclusão – , a propaganda restringe somente aos alemães “puro sangue” o direito à seguridade social. Cada vez mais a AfD defende que pessoas não brancas que possuem a cidadania alemã não são de fato cidadãos e cidadãs. A propaganda, mais antiga, dos “Novos Alemães? fazemos nós mesmos”, alude justamente a essa diferenciação dos “alemães por cidadania” (os novos alemães) e os alemães “de verdade”, “pelo sangue e pela raça” – o que, remete ao lema “sangue e solo”, revelando, assim, o caráter neonazista desse movimento. A teoria da conspiração da “grande substituição” de alemães por outros povos, de brancos por negros, e o medo do fim da “raça alemã” são temas hoje abertamente discutidos nos Natais, festas de família e amigos. Em uma festa recente em Frisia, uma série de jovens foram filmados fazendo a saudação nazista [Sieg heil] e cantando: “Fora estrangeiros: A Alemanha para os alemães”, frase utilizada por Adolf Hitler. O ataque à esquerda que considera o nome Mohammed como uma referência à religião (“a Alemanha se tornou mais espiritual”) e não à raça revela justamente como raça, cultura e religião são reunidas na islamofobia da AfD. Ademais, há uma associação cada vez maior nessa propaganda ao aumento dos crimes na Alemanha, como demonstra o meme que associa um estupro coletivo à imigração. Proteger mulheres e crianças também é tema constante de vídeos e fotos no Instagram. Por fim, vale comentar como a crítica ao multiculturalismo também revela um problema histórico da Alemanha: pode-se gostar de qualquer cultura, menos da sua própria, pois essa foi banida pela “política da memória”. A AfD reescreve a história da Alemanha, restaura o orgulho perdido com a derrota militar do país e revela que essa derrota militar não se traduziu, no longo prazo, numa derrota das ideias nazistas.

A ausência da esquerda na Alemanha (derrotada em 1919, em 1945 na Alemanha Ocidental e em 1989 na Alemanha como um todo) vai custar caro para o país, para a Europa e para o mundo. Enquanto não houver um partido que mostre que o principal problema é a concentração de renda e a política democrática liberal (leia-se: política capitalista neoliberal), a Europa vai se tornar um viveiro para o fascismo.

Juventude neofascista? Partido digital de massas e o neofascismo de plataforma

Depois das eleições parlamentares deste ano, é possível falar numa juventude neofascista na Alemanha. A Coalizão Semáforo reduziu a idade permitida de voto na Alemanha para 16 anos, incluindo mais de um milhão de eleitores. A partir de pesquisas eleitorais do governo, acreditava-se que os Verdes teriam a maior aceitação entre os jovens. Uma pesquisa feita em abril desse ano, no entanto, mostrou que o partido mais apoiado pelos jovens de 14 a 29 anos foi a AfD.

Partido de maior sucesso no Tik Tok, a AfD parece falar a língua dos jovens. A direita está na moda e, como disse um dos membros da juventude do partido, não é mais coisa de “tiozão”. A AfD conseguiu tornar o neonazismo cool. Ela não é um partido, mas uma “alternativa”. Tirando a palavra “partido”de seu nome, ela se apresenta como um movimento independente, que tem forte apelo aos jovens.

Sua campanha foi largamente conduzida pelas redes sociais. O símbolo do partido se assemelha ao da Nike e simboliza movimento (para a direita). A linguagem utilizada nos vídeos e posts de Instagram e Tik Tok é extremamente infantil, recorre a desenhos animados, cores chamativas, emoticons, barulhos como buzininhas, animais (galinhas de óculos escuros “lacram” em cima de notícias sobre Scholz e a crise no governo) e à estética mangá. Além disso, o partido trabalha com hashtags, como #azul ao invés de colorido (cor da AfD ao invés das cores da bandeira LGBTQIA+).

No Tik Tok, a propaganda é direcionada para os homens. Há uma retomada do masculinismo que acompanha a cisão de gênero na política mundial, especialmente entre os jovens. A tendência também é uma reacão ao movimento feminista e LGBTQIA+ (inclusive, os elogios à Rússia estão ligados à repressão a este último movimento). É comum achar nos vídeos do Tik Tok homens falando contra essa “merda de gênero”. Com isso, o apoio de homens jovens tem aumentado. A AfD, ao mesmo tempo, acompanha uma tendência mundial de pink washing do fascismo. Conforme já ressaltei, sua líder, Alice Weidel, é mulher e lésbica, mas sustenta posições extremamente reacionárias em relação às questões de gênero e sexualidade.

A AfD recusa o que a esquerda chama muito equivocadamente de “identitarismo”, mas fazem parte de “Os identitários”, movimento que nasceu na França e ganhou espaço na Alemanha. Os já citados Björn Höcke e Petr Bystron, políticos importantes do partido, são explicitamente ligados ao grupo. Trata-se sobretudo de uma ideologia que ressalta o direito natural dos povos europeus a seu continente, são contra a miscigenação, são islamofóbicos etc.

Só não vê quem não quer que o desempenho da AfD nessa eleição e da direita na Europa e no mundo só aumenta com a consolidação da nova infraestrutura digital e financeirizada da plataforma. Vale perguntar: quantos governos de esquerda surgiram depois disso e quantos de extrema-direita? Constestar esse modelo está cada vez mais difícil, mesmo entre parte da esquerda, para a qual qualquer posicionamento contra as redes sociais é uma forma de ludismo. Enquanto isso, os magnatas dessa indústria cultural se tornam cada vez mais ricos e exercem cada vez mais influência sobre a política. Não há “gabinete da ousadia” capaz de competir com esse modelo. Ter que jogar o jogo do Vale do Silício e de suas variantes regionais não é uma disputa, mas uma derrota.

A extrema-direita tem organizado seu partido internacional de massas a partir dessa nova infraestrutura digital, que combina a verticalidade (isto é, liga os líderes e influencers aos seguidores, desde a propaganda governamental nas redes sociais até as milícias digitais) e a horizontalidade (conectando grupos marginais outrora isolados). Paul Lazarsfeld, grande nome de pesquisas empíricas na sociologia e um dos principais nomes da “pesquisa de mercado”, escrevia, na década de 1940, sobre a importância de influenciadores para a escolha de compra de determinados produtos. Segundo ele, as pessoas só compram aquilo que é indicado por amigos ou parentes próximos – a melhor propaganda é aquela que tem um mediador. Ao encapsular os mercados, as plataformas introjetaram essa função “espontânea da propaganda” e esse modelo estendeu-se também para a política. Só que uma política de esquerda crítica e reflexiva, não cabe em memes apelativos e vídeos de 15 segundos. É preciso questionar o modelo como um todo, já que a propaganda nas redes não é mais apenas publicidade da extrema-direita, é seu principal modo de organização.

A direita obtém sucesso onde a esquerda está falhando. Eles podem mover as pessoas das redes para as ruas num piscar de olhos, enquanto nosso poder de mobilização declina no mundo todo. Estamos vendo surgir um neofascismo de plataforma e enquanto não estivermos dispostos a discutir a relação entre política e tecnologia, continuaremos a testemunhar resultados como o do dia 9 de junho.

Não representa minha opinião, estou apenas compartilhando uma matéria que eu achei que exibe informações o bastante sobre a extrema-direita alemã atual.

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ENTREVISTA – A Plataforma Comunista é uma organização revolucionária marxista-leninista da Itália, fundada em 2008. Desde então, seus militantes vêm impulsionando a luta dos operários italianos e desenvolvendo um importante trabalho para construir um partido da classe trabalhadora comprometido com a revolução proletária.

Integrante da Conferencia Internacional de Partidos e Organizações Marxistas-Leninistas (CIPOML), a Plataforma tem contribuído para o avanço da luta revolucionária em todo o mundo, em particular, na Europa. Em entrevista exclusiva ao jornal A Verdade, os dirigentes da organização denunciam o governo fascista da Itália e analisam a situação do movimento operário e popular deste país.

A VERDADE – Qual a importância da criação da Plataforma Comunista para a formação de uma vanguarda revolucionária na Itália?

PLATAFORMA COMUNISTA – Desde a nossa fundação, a Plataforma Comunista (PC) assumiu a tarefa de trabalhar pelo estabelecimento de um partido da classe trabalhadora da Itália, instrumento indispensável da revolução proletária. Para isso, colocou como tarefa central dar impulso e alcançar a unificação dos comunistas sinceros e trabalhadores avançados, de grupos e círculos marxistas-leninistas, lutando contra a confusão ideológica e a fragmentação organizativa produzidos pelo revisionismo moderno, e que cresceu muito em nosso país.

Nosso trabalho tem como objetivo unir o socialismo científico com o movimento operário, participando nas lutas do proletariado e das massas populares. Nesta etapa, nossa tarefa prioritária é nos conectarmos com os operários mais avançados e formar quadros. Hoje, estamos lutando para levar a luta do partido a um nível superior, mediante um processo de fusão com grupos e camaradas comunistas. “Pequeno grupo compacto”, nós avançamos levando adiante a luta teórica e política, acumulando forças sob as bandeiras do marxismo-leninismo e do internacionalismo proletário.

Nas últimas eleições gerais na Itália, houve uma grande abstenção. Por quê?

O fenômeno do abstencionismo alcançou 36% nas últimas eleições políticas e superou o percentual de 50% em muitas cidades nas últimas eleições administrativas. Devido a essa elevada abstenção, o Governo Meloni representa, de fato, menos de 25% dos votos do eleitorado italiano.

O abstencionismo é reflexo da crescente desconfiança das grandes massas populares nas instituições burguesas. Em particular, o parlamento burguês está cada vez mais desacreditado aos olhos da população. A crescente abstenção é resultado tanto da desilusão das massas com as experiências e propostas falidas do revisionismo e da social-democracia, como das ações dos partidos burgueses de direita, liberais e reacionários, que se alternam no governo sem trazer nenhuma solução para a situação econômica e social cada vez mais difícil das massas.

O governo fascista da primeira-ministra Giorgia Meloni tem adotado várias medidas que atingem diretamente os trabalhadores, além de investir num Estado militarista. Como o povo enfrenta o atual governo?

O governo Meloni é um governo do grande capital, particularmente dos monopólios italianos, com uma estreita base social que consiste sobretudo na pequena e média burguesia. Esse governo não representa uma alternância “normal” entre centro-esquerda e centro-direita; é uma nova fase política, caracterizada por um giro reacionário que se produz em um período de guerra imperialista.

O plano do governo de Meloni é criar um regime autoritário, atacar com mais força a classe trabalhadora, suas condições de vida e de trabalho e seus direitos democráticos. O processo de fascistização afeta a todos os aparatos estatais, estando vinculado ao fortalecimento da dominação dos monopólios, o aumento das contradições imperialistas e a política de guerra da burguesia italiana, da Otan e da União Europeia.

Frente a essa situação, a classe trabalhadora se mobiliza realizando greves e manifestações massivas em defesa de seus interesses e direitos, especialmente nos setores metalúrgico, do transporte e da logística. Há uma retomada gradual da luta de classes, mas a ação dos líderes reformistas dos principais sindicatos não conduz à unificação e à mobilização das massas, mas sim para sua divisão e enfraquecimento. Há pequenos sindicatos classistas que não atuam suficientemente sobre as massas. Por essas razões, apesar do crescente descontentamento, ainda existem dificuldades em expressar-se como uma oposição social e política aberta e contundente.

A Itália é um dos países mais ricos da Europa, mas qual é a situação da classe operária no país?

Os salários dos trabalhadores italianos se encontram entre os mais baixos da Europa. O poder aquisitivo diminuiu muito nas últimas décadas. Com a recente onda inflacionária, perdeu mais 15%. Há demissões massivas nas grandes empresas, como de automação, telecomunicação, siderurgia, têxtil, química, etc. A exploração se intensifica entre quem permanece empregado e aumenta o número de acidentes fatais no trabalho. O desemprego oficial entre os jovens é de 20%.

É grande a expansão do trabalho precário e “ilegal”. Durante anos, o gasto social em saúde, pensão, escola, transporte e assistência social vem diminuindo. O governo Meloni aboliu subsídios para os pobres e não existe um salário mínimo determinado por lei. Os despejos continuam um após o outro, e muitos trabalhadores são forçados a dormir em carros ou nas ruas. A incidência da pobreza absoluta é por volta de 10% da população, o nível mais alto nos últimos três anos.

No polo oposto, as classes proprietárias, especialmente a burguesia, aumentou sua riqueza pagando cada vez menos impostos. O abismo entre classes sociais se amplia constantemente: 5% da população possui 46% da riqueza total. Neste cenário, há 25 anos, o PIB não cresce acima de 2%, e a produção industrial italiana segue sendo 20 pontos inferior à de 2008. Estes são sinais do declínio histórico do imperialismo italiano.

Como a guerra da Rússia contra a Ucrânia e a Otan tem afetado a vida do povo italiano?

O governo de Meloni nos arrasta cada vez mais para a guerra imperialista. Já aprovou sete pacotes para enviar armas, especialistas militares e ajuda econômica ao regime de Zelensky. O imperialismo italiano é muito ativo nas manobras dos EUA e da Otan; conta com presença militar não só na Ucrânia, mas também na zona do Báltico, Bulgária, Romênia, Letônia, Eslováquia, Polônia, Bósnia-Herzegovina, Kosovo, etc. Também tem aumentado sua presença militar no Mar Mediterrâneo, no Mar Vermelho e na África. As tropas italianas participam em mais de 50 missões no exterior. O gasto militar aumenta continuamente: 29 bilhões de euros em 2024.

Ao mesmo tempo, o gasto social está diminuindo significativamente. A guerra na Ucrânia foi uma das causas da recente onda inflacionária que piorou dramaticamente as condições de vida das massas populares. Os preços do combustível, da eletricidade e do gás dispararam, e é um drama a cada fatura que chega na casa das famílias pobres.

O outro aspecto da política de guerra é a contínua militarização da sociedade: mais repressão, mais controle social, mais medidas de “segurança” para reprimir os protestos operários e populares.

Como se desenvolve na Itália a solidariedade ao povo palestino?

Desde outubro de 2023, ocorrem contínuas e amplas manifestações, especialmente de jovens, em apoio ao povo palestino e para rechaçar a agressão genocida israelense, como também a cumplicidade do governo italiano. A solidariedade à causa palestina está crescendo entre a população, apesar da propaganda sionista do governo e da “oposição” burguesa.

No “Dia da Terra” e no aniversário da “Nakba”, ocorreram numerosas manifestações e ações de solidariedade com a heroica resistência do povo palestino. Também aconteceram manifestações nos portos para impedir o transporte de armas dirigidas a Israel. Agora, em diferentes universidades, há estudantes ocupando os campi para protestar contra a cooperação entre as universidades italianas e israelenses.

No geral, as demandas são: “Abaixo à agressão sionista e o cerco a Gaza, cessar-fogo”, juntamente com a condenação do vergonhoso apoio do governo italiano ao Estado sionista. Vale lembrar que o genocídio dos palestinos é cometido com armas italianas (terceiro fornecedor de armas para Israel), e os monopólios italianos continuam a fazer negócios com Tel Aviv.

A Plataforma Comunista é uma das organizações que integram a CIPOML, que, em 2024, completa 30 anos de existência. Qual o papel da CIPOML?

Trinta anos após sua fundação, a CIPOML continua sendo a forma mais elevada de internacionalismo proletário atualmente. A importância da CIPOML é enorme na atual situação de agravamento das principais contradições de nossa era.

Os documentos e resoluções que ela produz, com base nos princípios do marxismo-leninismo, são referência indispensável para o desenvolvimento da linha política e das atividades dos partidos e organizações aderentes, bem como dos comunistas coerentes de todos os continentes.

Na situação atual, a CIPOML, que sempre lutou pela unidade internacional dos comunistas, desempenha um papel essencial no combate aos desvios revisionistas e oportunistas que hoje se apresentam sob várias formas (por exemplo, o multipolarismo), bem como ao chauvinismo. Também atua na aproximação e união do proletariado dos países imperialistas com o proletariado e as massas oprimidas dos países dependentes, na realização de um trabalho de esclarecimento em nível teórico, político e organizacional e no incentivo ao reagrupamento das forças revolucionárias do proletariado.

Aproveitamos esta entrevista para enviar saudações fraternas e felicitações internacionalistas aos jornalistas revolucionários, correspondentes, propagandistas e a todos os companheiros que colaboram para a publicação de A Verdade, o valioso e combativo jornal dos trabalhadores e do povo trabalhador do Brasil na marcha para uma sociedade socialista.

Entrevista publicada na edição nº 293 do Jornal A Verdade.

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O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), comandado por Ricardo Lewandowski, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), publicou em 10/05 uma portaria que flexibiliza as diretrizes para a utilização dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), permitindo que governos estaduais aumentem o investimento no dito “combate ao crime organizado” e em proteção patrimonial. A decisão alterou a normativa anterior, que fixava que 80% do fundo seria destinado à redução de mortes violentas intencionais.

Em agosto de 2023, o então ministro da Justiça e Segurança Pública Flávio Dino (PSB) promulgou uma portaria definindo que 10% dos recursos do FNSP deveriam ser destinados ao enfrentamento da violência contra a mulher, 10% para a melhoria nas condições de vida dos profissionais de segurança pública, e os outros 80% destinados à redução de mortes violentas intencionais. Com a nova decisão, estes 80% podem ser usados também para o “enfrentamento ao crime organizado e proteção patrimonial”. De acordo com Camila Pintarelli, diretora de Gestão do FNSP, “tem estado que tem índice de morte violenta intencional realmente assustador, mas tem outros que não têm esses índices tão elevados, que têm mais problema com crime patrimonial e criminalidade organizada”.

Criado em 2001 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e significativamente fortalecido em 2018 pelo governo de Michel Temer (MDB), o FNSP é um fundo gerido pelo MJSP, destinado exclusivamente ao investimento em projetos de “segurança pública e de prevenção à violência”. O fundo é constituído principalmente de receitas adquiridas através das loterias e, para 2024, conta com cerca de 2,34 bilhões de reais. Deste montante, cada estado deve receber aproximadamente 40 milhões para administrar, com outro um bilhão sendo repassado conforme aprovação de convênios ou contratos com o ministério. Apesar do valor representar pouco para o orçamento de estados mais populosos como São Paulo, o repasse tem uma importância significativa para estados como o Amapá, com o maior número de mortos por policiais do Brasil em 2023, e cujo montante representa quase 20% do total investido em “segurança pública”.

Entretanto, com o aumento da violência policial em todo o Brasil a partir do discurso de “combate ao crime organizado”, uma parte da população se preocupa que essa flexibilização vai resultar no aumento da violência. “O combate ao crime organizado é um fundo para a guerra às drogas [...] que não leva a nada, só leva a matança, inclusive de inocentes. Só leva à desordem nas periferias, em locais que já são insalubres de viver, e não muda nada porque quem gerencia e quem ganha com o crime são pessoas que tem tanta ‘grana’ que nem estão no Brasil”, afirmou Neto, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) em Santos (SP).

Perguntado sobre o investimento em segurança pública, Neto pontuou ainda que “o investimento que o Estado faz não é para solucionar o problema [de segurança pública]. É um Estado burguês, ele investe para os interesses da propriedade privada, e não prezando o bem estar das pessoas. A Operação Escudo é exemplo, foi uma política de aniquilação da classe trabalhadora nas periferias, que, na minha visão, teve um motivo econômico, de disputa dos setores estratégicos do Porto [de Santos].”

O impacto da flexibilização é ainda maior em estados cujo montante representa maior parcela do orçamento: “Eu vivo em um estado [Amapá] que sempre investiu muito em promoção de agentes de segurança”, afirmou Cecília, militante do PCBR em Macapá (AP). “Não à toa, nós temos a polícia que mais mata. A polícia aqui do Amapá sempre agiu em um processo de higienização. Se há mais investimento, isso se intensifica aqui no estado”.

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FPLP: COMITÊ DE INVESTIGAÇÃO DA ONU EMITE RELATÓRIO TENDENCIOSO

A Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP) afirma que, apesar da importância do relatório do comitê de investigação da ONU sobre os territórios palestinos, que inclui evidências dos crimes de guerra da ocupação em Gaza e sua responsabilidade por inúmeras violações do direito humanitário internacional e dos direitos humanos, o relatório é, em última análise, tendencioso e injusto, favorecendo a ocupação.

Parte do conteúdo do relatório alinha-se com as mentiras da ocupação, equipara a vítima ao algoz e dá credibilidade às alegações de violações da resistência em 7 de outubro que já foram provadas falsas por jornais internacionais, organizações da ONU e até mesmo por vozes da própria ocupação sionista.

O comitê baseou seu relatório e suas posições nos eventos de 7 de outubro, embora a essência da crise não tenha começado nesta data, mas tenha persistido por 76 anos. O relatório também ignorou as causas raízes do conflito, ignorou a legitimidade da resistência do povo palestino contra a ocupação em várias formas e não reconheceu que a operação de 7 de outubro foi uma parte natural da resistência legítima do povo palestino contra a ocupação.

A Frente Popular acredita que este relatório não adicionou valor significativo em comparação com relatórios anteriores da ONU sobre o assunto, particularmente aqueles emitidos pela Corte Internacional de Justiça (CIJ). Em vez disso, representa uma regressão em alguns pontos, claramente passa pano para a ocupação.

A importância de qualquer decisão da ONU em relação à guerra genocida sionista em andamento contra o povo palestino reside na capacidade de traduzir condenações confirmadas da ocupação em decisões executivas capazes de parar a agressão e retratar com precisão a realidade nas terras palestinas ocupadas sem parcialidade ou apaziguamento da ocupação, e sem sucumbir às pressões americanas para diluir qualquer decisão da ONU destinada a permitir que o inimigo evite a punição.

FPLP: MARTÍRIO DO DR. IYAD AL-RANTISI DEVE ADICIONAR ISRAEL À LISTA DE ASSASSINOS DE MÉDICOS

A FPLP afirmou que a revelação do martírio do Dr. Iyad Al-Rantisi, Chefe do Departamento de Obstetrícia do Hospital Kamal Adwan, no norte de Gaza, é um novo crime sionista adicionado ao registro de crimes da ocupação, que são incomparáveis em sua brutalidade e criminalidade nos tempos modernos.

O martírio do Dr. Iyad Al-Rantisi revela a extensão dos crimes horríveis cometidos nas prisões sionistas contra detidos palestinos, incluindo tortura, repressão e negligência médica deliberada. Isso ocorre após o martírio do proeminente médico Adnan Al-Barsh há alguns meses, e confirma os ataques sistemáticos dos sionistas aos civis palestinos em Gaza, especialmente os médicos.

O que está acontecendo dentro das prisões da ocupação, especialmente contra os prisioneiros de Gaza, constitui um crime de guerra completo que viola flagrantemente todos os acordos e convenções internacionais.

A FPLP pediu às instituições internacionais e organizações de direitos humanos que formem um comitê de investigação internacional para averiguar as circunstâncias do martírio do Dr. Iyad Al-Rantisi e de outros prisioneiros que foram mortos sob tortura nos campos de extermínio sionistas, e para revelar o destino de centenas de prisioneiros mantidos em condições trágicas.

Os líderes da ocupação sionista devem ser levados aos tribunais internacionais por seus crimes de guerra e contra a humanidade, especialmente contra os prisioneiros palestinos.

Os ataques sistemáticos sionistas contra médicos e instalações médicas deve ser motivo para incluir a entidade sionista nas listas de países que mataram um número expressivo de médicos e cometeram violações graves contra médicos e instalações médicas.

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Na manhã desta quarta-feira, 19 de junho de 2024, Caio Sad, diretor do Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade de Brasília (UnB), foi preso pela Polícia Legislativa do Senado Federal. Caio participava de um protesto silencioso ao lado de outros estudantes, exibindo cartazes contra o Novo Ensino Médio, que estava em votação naquele momento.

Segundo um vídeo divulgado nas redes oficiais do DCE, os manifestantes foram agredidos pelos policiais legislativos do Senado, que tentaram impedir, por meio de clara repressão, a exibição de cartazes. Os cartazes criticavam os itinerários formativos implementados pela reforma do Novo Ensino Médio, que haviam sido suspensos em 2023.

Caio Sad, que levantava uma placa exigindo a revogação completa do Novo Ensino Médio, permaneceu detido até o fim da votação na Comissão de Educação, uma clara tentativa de cercear a liberdade de expressão dos estudantes! A ação da polícia legislativa gerou indignação e mobilização entre os manifestantes e seus apoiadores, que afirmam que tal repressão visa proteger os interesses da burguesia, sobretudo os grandes oligopólios educacionais, e evitar o debate público sobre o tema.

A votação referiu-se a um relatório do projeto apresentado pelo governo para alterar as regras do Novo Ensino Médio. A senadora Dorinha Seabra (União Brasil - TO) foi a responsável pela apresentação do relatório. O projeto base já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados, e o relatório foi aprovado em votação simbólica na Comissão de Educação, seguindo agora para apreciação no plenário do Senado.

As principais mudanças em relação ao projeto base aprovado pela Câmara dizem respeito ao ensino técnico. O texto base da Câmara previa 2,1 mil horas de formação geral básica e 900 horas para matérias específicas. O relatório agora estabelece 2,2 mil horas de formação geral básica no Ensino Médio Técnico a partir de 2025. Além disso, a partir de 2029, as cargas horárias totais dos cursos de Ensino Médio Técnico serão aumentadas de 3 mil para 3,2 mil, 3,4 mil e 3,6 mil horas, para cursos de 800, 1000 e 1200 horas, respectivamente.

Apesar da truculência enfrentada pelos estudantes, a mobilização pela revogação completa do Novo Ensino Médio continua a reunir milhares de estudantes por todo o Brasil, demonstrando a força do movimento estudantil na luta por um sistema educacional público, gratuito, universal e gerido democraticamente.

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No dia 14 de junho, moradores do biarro Maria Dirce protestaram em resposta à morte de um jovem pelas mãos da Polícia Militar (PM). O rapaz foi submetido a tortura e morreu eletrocutado com um tazer (arma de eletrochoque). A manifestação trancou com uma barricada de fogo a Rodovia Dutra e foi reprimida pelo Batalhão de Choque, que lançou bombas e tiros contra as pessoas enquanto adentrava a favela, fazendo crianças e idosos passarem mal com a fumaça.

Em uma grave denúncia feita ao correspondente local de AND em Guarulhos, os moradores contaram que os PMs cobram propinas dos traficantes e, insatisfeitos com o que vinham ganhando, prometeram matar uma pessoa dali. Para as famílias, já é cotidiano que os policiais cheguem no bairro aterrorizando-as, atrás de acertos com o tráfico de drogas.

De acordo com a denúncia dos moradores, o jovem, havia sido ameaçado de morte pelos policiais, quando correu para dentro de um mato na beira do córrego e foi seguido por um cão farejador. Quando os PMs o encontraram, usaram um tazer para o paralisar e o torturaram até a morte. Há relatos de que o jovem tinha problema cardíaco. O corpo foi levado pelo IML e só pôde ser visto depois de os próprios pais insistirem muito. Ele apresentava hematomas que, segundo os entrevistados, indicavam queimadura por choque elétrico.

Revoltados a brutalidade perpetrada pelos policiais, os moradores se dirigiram até a Rodovia Presidente Dutra e atearam fogo em pneus para trancar a via principal no sentido Rio de Janeiro. Um tempo depois, agentes da Polícia de Choque chegaram ao local para reprimir os manifestantes.

Os repressores lançaram bombas e tiros e os perseguiram até sua favela. A fumaça provocou mal-estar mesmo nas pessoas que estavam dentro de suas residências. Durante a noite, policiais circularam na região vestindo toucas ninjas para intimidar.

O caso não é isolado

Os moradores deram outros exemplos de agressão promovida pelo velho Estado. Um jovem relatou que já houveram duas vítimas da violência reacionária em sua família: a irmã que foi detida brutalmente (“arrebentou a cara dela”) e o primo que foi executado de joelhos com um tiro. Um entrevistado também relembrou uma chacina realizada na região por policiais no ano de 2015.

Cotidianamente, famílias de trabalhadores no Brasil inteiro encaram a violência do velho Estado, reacionária e direcionada contra as massas populares em luta no campo e na cidade. No monopólio de imprensa, retrata-se os policiais travando guerra contra o narcotráfico, porém, na realidade o que se percebe é uma guerra civil reacionária.

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Ao menos 17 pessoas morreram durante a madrugada desta terça-feira (18/06) no campo de refugiados de al-Nuseirat, após uma série de bombardeios de Israel contra o centro da Faixa de Gaza.

Segundo relatos preliminares, o balanço inicial era de sete mortes em um ataque a uma casa em al-Nuseirat, mas logo depois houve a confirmação das outras vítimas em uma segunda ofensiva.

Segundo o jornal catari Al Jazeera, dentre as vítimas estavam mulheres e crianças, sendo que cinco delas pertenciam à mesma família. Outros 10 civis também ficaram feridos, e há relatos de cidadãos presos sob os escombros.

Em relação ao segundo ataque, o bombardeio atingiu um casal, seus filhos e avós que estavam em casa.

A imprensa ainda relata que duas outras pessoas foram mortas na estrada costeira no centro-oeste de Gaza e nove palestinos que esperavam por caminhões de ajuda humanitária foram atingidos por fogo israelense.

A agência de notícias palestina Wafa ainda relatou que os bombardeios israelenses também foram direcionados a outras regiões centrais de Gaza, como a cidade de Deir al-Balah e o campo de Bureij, e bairros residenciais ao sul do enclave.

Como resultado, 35 pessoas feridas nos ataques foram hospitalizadas em estado grave. Na mesma região, há cerca de uma semana, o Exército de Israel, ao resgatar quatro reféns mantidos pelo grupo Hamas, provocou a morte de mais de 200 palestinos em ataques aéreos.

3.500 crianças podem morrer de desnutrição

O governo da Faixa de Gaza alertou, também nesta terça-feira, que 3.500 crianças correm risco de morrer por desnutrição, mediante à crise humanitária instalada pelo massacre de Israel na região.

A Al Jazeera informa que o enclave não consegue oferecer alimentos, suplementos nutricionais e vacinas para as crianças em risco.

“À medida que a ajuda acaba em Gaza devido ao bloqueio das fronteiras, a fome atinge uma população já cansada”, informou o Gabinete de Comunicação Social de Gaza, apelando por ajuda internacional para a condenação dos crimes de Israel. O balanço de vítimas pela ofensiva israelense desde 7 de outubro aumentou para 37.347.

(*) Com Ansa

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Na edição desta segunda-feira (17/06) de seu programa televisivo semanal na emissora pública VTV, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmou que a empresa Citgo, filial da estatal petroleira PDVSA em território norte-americano, seria alvo de um projeto do governo dos Estados Unidos que busca confiscar e leiloar seus ativos.

A acusação foi realizada quase em simultâneo à declaração da vice-presidente do país, Delcy Rodríguez, na qual esta assegurou que o país buscará reverter a situação em instâncias internacionais.

“Hoje, a vice-presidente comunicou que está em andamento uma manobra do governo norte-americano para roubar a empresa Citgo da Venezuela”, comentou Maduro.

O mandatário não criticou apenas Washington pela decisão, mas também os setores da oposição que, segundo ele, “jogam a favor do imperialismo, servindo de títeres para aqueles que querem se apossar das riquezas da Venezuela”.

“Líderes da oposição como (Juan) Guaidó, Leopoldo López, (María Corina) Machado, Julio Borges, (Henrique) Capriles (…) todos eles estão desesperados em colocar as mãos nos nossos recursos”, acrescentou.

Maduro e Rodríguez também afirmam que a medida conta com a cumplicidade dos tribunais de justiça norte-americanos, que impediram os advogados da PDVSA e realizarem a defesa do seu direito de propriedade sobre a Citgo durante o período em que o tema estava em disputa judicial.

O líder bolivariano utilizou o espaço televisivo para convocar uma “grande mobilização nacional para defender o patrimônio da Venezuela e aplicará justiça implacável àqueles que tramaram este saque contra a república”.

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No final de 2023, me matriculei no curso à distância (EAD) de licenciatura em História do Centro Universitário Ítalo Brasileiro. Aprendi noções de História do Brasil e do mundo, historiografia e até alguma coisa de psicologia e matemática – como é comum em outros cursos de História. A diferença, porém, é que o meu curso é uma parceria com a produtora de extrema direita Brasil Paralelo e coordenado pelo bolsonarista e monarquista Rafael Nogueira, que foi presidente da Biblioteca Nacional entre 2019 e 2022, durante o governo Bolsonaro.

Quando a formação começou a ser oferecida em parceria com a Brasil Paralelo, em 2022, a ligação com a produtora foi anunciada na página que divulgava o vestibular. Ela estava no ar até semana passada, mas foi removida após a nossa reportagem entrar em contato com a universidade. O texto que pedia a inscrição trazia no pé da página o aviso de que o curso tinha “apoio da Brasil Paralelo”.

“Somando-se ao cenário da educação brasileira e a real necessidade de educadores competentes e comprometidos em prol da qualidade da educação, a Brasil Paralelo, em parceria com o Centro Universitário Ítalo Brasileiro, oferece o vestibular especial de licenciatura em História”, dizia a página, próximo à logomarca da produtora.

Hoje, o site do curso não traz nenhuma menção à Brasil Paralelo. Mas a ideologia conservadora, marca da produtora, aparece em toda a base curricular do curso, que cita entre os seus diferenciais o de “não omitir a versão cristã da História”.

Apesar da ausência do nome da produtora nas divulgações mais recentes, funcionários do Centro Universitário Ítalo Brasileiro afirmaram à reportagem que o conteúdo das disciplinas foi feito em conjunto com a Brasil Paralelo. O conteúdo das disciplinas e os professores, muitos ligados diretamente à Brasil Paralelo, também são os mesmos.

Atendente do Centro Ítalo confirma parceria do curso com a Brasil Paralelo De fato, o teor das aulas é muito parecido com os documentários, vídeos, matérias e outros tipos de conteúdo veiculados pela produtora. A Brasil Paralelo afirma que tem como propósito “resgatar os bons valores, ideias e sentimentos no coração de todos os brasileiros”, que “busca a pluralidade de opiniões” e tem como valores inegociáveis a verdade, a união e a diplomacia, entre outros. Mas o conteúdo produzido por ela propala ideias conservadoras, negacionistas e de desrespeito a minorias.

O curso foi aprovado pelo MEC em 2019 – mesmo ano em que Rafael Nogueira passou a presidir a Biblioteca Nacional – , o que significa que todos que o concluem podem dar aulas de História para estudantes da educação infantil e ensinos fundamental e médio.

Por que isso importa?

O curso de licenciatura em história, ligado à Brasil Paralelo, forma professores de história com uma “visão cristã”. Aprovado pelo governo Bolsonaro quando o coordenador era presidente da Biblioteca Nacional, o curso defende, por exemplo, a atuação dos jesuítas contra indígenas, que os reis eram enviados divinos e as Cruzadas promovidas pela Igreja Católica foram algo necessário.

Em nota, o MEC afirmou que o curso “funciona de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais vigentes à época do reconhecimento”, e que as instituições têm um prazo de dois anos para se adequarem a novas normas.

Procuramos também o grupo Ítalo, o coordenador do curso Rafael Nogueira e a Brasil Paralelo, mas não obtivemos resposta até a publicação desta reportagem. O espaço permanece aberto.

Com crescimento de 700% entre 2012 e 2022, os cursos EAD atualmente formam seis em cada 10 professores no Brasil. No fim do ano passado, entidades como o Todos pela Educação e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência pediram ao governo federal medidas urgentes na regulação da educação à distância para a formação de professores.

Levantamento feito por eles mostra que os cursos EAD têm notas menores e maior evasão que os presenciais.

Dancinha na aprovação

Para entrar no curso, não tive que gastar muita energia. Havia duas opções: enviar o diploma da graduação ou escrever 800 caracteres (cerca de dois parágrafos) sobre o tema “consequências da pandemia”. Optei por enviar o texto, que pedi para o Chat GPT escrever. Assim que o enviei, fui automaticamente aprovada. Apareceu na tela um gif da dança característica do Carlton, personagem do seriado Fresh Prince of Bel Air.

Quase não há contato com outros alunos do curso, exceto em um fórum onde é possível tirar dúvidas com um tutor. Não dá para saber, portanto, se os demais estudantes procuraram o curso por causa do seu viés ideológico ou se se matricularam desavisados do seu conteúdo.

As mensalidades são acessíveis – custam menos de R$ 300 – e o ritmo de estudos é bastante tranquilo: há uma disciplina por mês, com alguns poucos vídeos e exercícios. As aulas são assíncronas, cada aula é oferecida por um professor e ficam disponíveis no sistema. Cada professor tem liberdade sobre o número de vídeos e a duração de cada um.

Assistindo às aulas com alguma atenção, não é difícil ser aprovada.

Ainda não está claro como o curso continuará sendo oferecido nos próximos semestres, já que o Ministério da Educação (MEC) determinou recentemente que cursos de formação de professores tenham um limite de 50% do tempo à distância. Este é 100% à distância.

As regras não afetam quem já está matriculado, mas passam a valer para novos ingressantes.

Coordenado por monarquistas e olavistas

O curso é coordenado pelo autodeclarado monarquista Rafael Nogueira, que foi presidente da Biblioteca Nacional entre 2019 e 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Até ser escolhido para gerenciar a mais antiga instituição cultural brasileira, Nogueira era conhecido apenas como discípulo do falecido filósofo Olavo de Carvalho – a quem homenageou com um busto em sua casa e com quem compartilhava, segundo ele mesmo, “o gosto pelo tabaco e pelos cães”.

Nogueira também ministra cursos oferecidos na plataforma da Brasil Paralelo. Em um deles, batizado de “Titãs da Civilização Ocidental”, ele fala por mais de 11 horas sobre “alguns dos maiores autores da Grécia Antiga à Modernidade brasileira”. Outro curso oferecido por ele, “O que é a amizade?”, ensina como fazer bons amigos.

Os outros professores têm perfil parecido com o de Nogueira. O vice-coordenador, Armando Alexandre dos Santos, é autor do livro Tudo o que você precisa saber sobre a monarquia no Brasil e é chamado de “veterano monarquista e antigo amigo da família imperial brasileira”, além de ser especializado em História Militar e autor de livros religiosos. Thomas Giulliano é colaborador de documentários da Brasil Paralelo e escreveu o livro Desconstruindo Paulo Freire. Os demais professores também deixam claro que seguem o mesmo script – se apresentam como católicos, professam ideais conservadores e flertam com a “filosofia” de Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo.

O curso de História da Ítalo em parceria com a Brasil Paralelo foi autorizado pelo MEC em 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, e tem permissão para abrir mil vagas por ano. Na minha turma há 150 alunos, mas novas pessoas podem entrar periodicamente.

O curso recebeu nota 4 em Conceito de Curso (CC), na qual técnicos do MEC avaliam sua estrutura e plano pedagógico. Mas, no Conceito Preliminar de Curso (CPC), uma nota que considera o CC junto com o desempenho de alunos e qualificação de professores, o curso recebeu a nota 2 – considerada insatisfatória. Cursos com nota 1 e 2 devem obrigatoriamente receber uma visita de técnicos do MEC para reavaliação.

Procurado, o MEC informou que “a supervisão da educação superior decorrente de indícios de deficiência na qualidade é realizada em instituições e cursos de educação superior rotineiramente”. A nota explica que se há “índices insatisfatórios de qualidade”, a instituição tem a chance de “sanear as deficiências constatadas por meio da abertura de processo regulatório”. Caso isso não aconteça, pode ser feito um Protocolo de Compromisso, e apenas se ele não for cumprido, “é iniciado o processo de supervisão propriamente dito, em que a instituição apresentará suas razões e providências instrutórias são adotadas para que, ao final, seja aplicada penalidade ao curso, que pode configurar uma redução de vagas autorizadas ou até mesmo na sua desativação.”

Projeto Mecenas

A proximidade entre a Brasil Paralelo e o grupo educacional é notória. O centro universitário faz parte do Projeto Mecenas da produtora, uma iniciativa em que empresas e pessoas físicas assinantes pagam por outras assinaturas, que são distribuídas de graça para algumas instituições sociais e de ensino. Além da Ítalo, o Projeto Mecenas também tem como parceiros a Faculdade da Polícia Militar, o G10 Favelas e o colégio Liceo Santo Amaro – que também pertence ao grupo Ítalo.

Em 2022, a universidade foi um dos primeiros lugares que exibiu o documentário “O fim da beleza”, da Brasil Paralelo, que fala sobre o Brasil supostamente ter se afastado dos “valores tradicionais da beleza”. Os reitores também participaram de uma sessão especial de exibição do filme A oficina do diabo, que seria a primeira obra de ficção da produtora, mas teve a estreia adiada por tempo indeterminado porque a empresa não tinha os direitos autorais da obra inspirada do escritor norte-americano C.S Lewis.

Em setembro deste ano, a Ítalo vai sediar um congresso de educação católica. Ao menos quatro dos oito palestrantes anunciados são figurinhas carimbadas de produções da Brasil Paralelo.

O grupo educacional foi fundado há 70 anos, mas apenas recentemente se transformou em uma instituição reconhecidamente católica. Isso aconteceu quando o chanceler Marcos Vinícius Cascino, neto do fundador Pasquale Cascino, num “momento tenso do trabalho”, entrou em uma igreja e se sentiu “profundamente tocado por Deus”, como ele relatou em um podcast católico.

Depois, fez o necessário para que a universidade passasse a abrigar missas e eventos ecumênicos e mandou adaptar todo o material didático dos cursos. “Fizemos um processo de curadoria do nosso conteúdo para que não tivesse nada que afrontasse a Igreja Católica”, ele disse no mesmo podcast. Segundo ele, professores e alunos não ofereceram resistência à mudança.

O reitor da universidade, Marcos Antonio Cascino, tem uma ideologia parecida com a do filho Marcos Vinícius. Ele já postou nas redes sociais foto com o slogan da campanha de 2018 de Jair Bolsonaro (“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”), conteúdo negacionista sobre a pandemia de covid-19, elogios às Forças Armadas e à ditadura militar, e até posou com uma máscara do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como zumbi.

Escola Sem Partido

Uma das primeiras coisas que fiz após ganhar acesso à biblioteca online da Ítalo, acessível a todos os alunos dos cursos EAD, foi procurar se havia materiais relacionados à Brasil Paralelo disponíveis. Encontrei duas menções em um dos livros do catálogo: Prática Pedagógica da Educação Física no Contexto Escolar, lançado pela editora Sagah, que pertence à própria plataforma da biblioteca online.

Ao tratar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a base comum do ensino público brasileiro, aprovada em 2017, o livro sugere que o leitor assista a um vídeo da Brasil Paralelo. “Há ainda uma névoa que permeia o horizonte formativo na BNCC. Será este o caminho para alavancar o cenário educacional brasileiro? Objetivando responder a esta e outras dúvidas, sugerimos agora que assista ao vídeo ‘Governo implementa currículo obrigatório para todas as escolas’, do canal Brasil Paralelo”, diz.

O vídeo em questão reproduz pontos-chave das propostas do movimento “Escola sem partido”, que quer acabar com uma suposta “doutrinação de esquerda” em sala de aula. Conta com entrevistas de Olavo de Carvalho, o ex-ministro bolsonarista Abraham Weintraub e o autointitulado “príncipe” Luiz Phillipe de Orleans e Bragança (o político não faz parte da linhagem real supostamente herdeira do trono) defendendo que a BNCC transformou a educação brasileira em “cartilhas doutrinárias com discurso único” e os professores em “militantes”.

Mais adiante, o mesmo livro sugere que o leitor vá ao YouTube da Brasil Paralelo e assista à série “Brasil Pátria Educadora”, um conjunto de vídeos em que a produtora desanca o sistema de ensino brasileiro e o educador Paulo Freire.

Indígenas eram “muito aptos à cristianização”

A primeira disciplina do curso de História foi “Brasil Colonial I”, ministrada pelo professor Lucas Ribeiro Fernandes, um fã do jogador Neymar, da monarquia brasileira (especialmente da princesa Isabel) e de Jesus Cristo, de acordo com as suas redes sociais.

A aula começa com a chegada dos portugueses ao Brasil em 1500. Um texto de 10 páginas relata este momento, sem, no entanto, citar conflitos com os povos originários. Pelo contrário, há mais ênfase que os portugueses passaram a celebrar missas assim que chegaram e que os nativos eram “muito aptos para a cristianização”. Em vez de mencionar o genocídio e a escravidão de povos indígenas, o curso elogia os jesuítas, que tentavam, de acordo com a aula, “garantir que aqueles povos, que até então viveram encobertos do resto do mundo, pudessem acessar as verdades eternas como qualquer europeu”, escreveu.

O professor nega que a imposição da religião católica aos nativos seria um “instrumento ideológico de manutenção do poder e sobreposição da cultura indígena”, porque, segundo ele, os padres estariam apenas lutando contra “costumes ultrapassados ou mesmo absurdos” como a nudez, a poligamia e a antropofagia.

Há um módulo inteiro sobre a importância dos jesuítas para “a concretização da evangelização e da pacificação da colônia”. “Busca-se hoje desmerecer ou obliterar o papel desses religiosos na proteção do nativo, mas essa é uma atitude que as fontes não nos permitiriam adotar”, escreveu o professor.

Outros assuntos, como os interesses políticos e econômicos de Portugal com as suas colônias, são tratados apenas de modo superficial.

Já a disciplina “Historiografia e Teoria da História”, do professor Armando Alexandre dos Santos, se dedica a explicar por que é importante para um historiador não julgar fatos históricos com o entendimento que se tem hoje, já que a história é contada segundo a visão de mundo dos que a escreveram. O ponto que chama a atenção, porém, é a atenção que ele dá à “visão cristã” da história, denotando que seria a mais correta.

Para ele, o cristianismo foi o primeiro e único responsável por criar uma relação fraternal entre os seres humanos e a reconhecer a liberdade dos homens. Ele também ensina que o juízo final, entendido pelos cristãos como o dia em que Deus irá julgar todas as pessoas que já passaram pela Terra, como a “Magna Aula de História”.

“Será o momento em que tudo se revelará, em que todas as tramas da História se patentearão, em que todo o encadeamento de causas e efeitos, nos acontecimentos humanos, se tornarão claros diante de todos os homens reunidos. Nesse momento, todos os mistérios da História Universal se revelarão, todos os crimes, conspirações e tramas que ficaram ocultos ao longo dos séculos e dos milênios serão devidamente postos a nu”, diz.

Não existe evidência científica de que haverá um juízo final.

Santos ensina que os marxistas e freudianos colocam o homem em uma posição de marionete que apenas reage à economia e ao próprio inconsciente. “Todos esses creem que tudo é regido por leis que vamos realizando passivamente, sob a ilusão de estarmos agindo livremente”, escreveu.

A disciplina também encoraja que estudiosos tenham fé: “O filósofo que não tem fé, ou que tem fé, mas faz uma ablação artificial, desnecessária e prejudicial entre a fé e a razão, esse vai se perder nos seus raciocínios, sempre duvidando de si mesmo e jamais alcançando a certeza. Não será um filósofo no sentido pleno; apenas rastejará na vida de pensamento, jamais voará”.

Raciocínios muito semelhantes apareceram nas outras matérias do curso. As aulas sobre Idade Média fazem uma defesa dos reis como enviados divinos e das Cruzadas como necessárias para pacificar um mundo que vivia constantes guerras. No entanto, o professor reconhece que haviam “maus cristãos” na Igreja Católica e que “algumas Cruzadas” eram feitas mais por interesse do que por fé – sem, no entanto, explicar mais sobre isso.

O professor Robinson Nascimento ensina também que historiadores que apontaram abusos da Igreja católica seriam “anticatólicos”.

“O predomínio da Igreja no Medievo é um fato, ninguém o nega ou põe em dúvida. O que se debate é como julgar esse fato. Autores anticatólicos escreveram farta literatura crítica, acusando a Igreja de toda espécie de interesses espúrios e até criminosos. Mas a verdade é que, na emergência concreta em que estava a Europa invadida pelos povos bárbaros, foi a Igreja que salvou a Europa; mais do que isso, construiu-a, formou-a, civilizou-a”, escreveu o professor Robinson Nascimento.

A última disciplina que cursei antes de escrever esta reportagem foi ministrada pelo próprio Rafael Nogueira, “Formação e Consolidação do Império Brasileiro 1808-1840”. No vídeo de introdução às aulas, ele se apresenta e diz que estava gravando aquelas aulas em 2021, pouco antes do bicentenário da independência brasileira, quando ele ainda era presidente da Biblioteca Nacional.

“Os 200 anos da Independência marcam a efeméride mor da pátria”, ele diz no vídeo. “E eu espero que vocês estejam depois maduros para pensar o Brasil e responder à grande pergunta ‘O que é o Brasil?’ e ‘O que são os brasileiros?’”.

Sobre o processo de colonização portuguesa na África, Nogueira faz uma relativização da escravidão em um dos textos que escreveu para a disciplina. “Diferentemente do modo como a historiografia moderna muitas vezes a apresenta, a bula Dum Diversas não parece autorizar a escravidão. Basicamente, ela surge aos cristãos como um meio de defesa apto a acabar com aquele conflito, que se exerceria, porém, subjugando, buscando e capturando os inimigos. Não era uma chancela eclesiástica à escravidão”, ele escreve.

A Dum Diversas foi uma bula do papa Nicolau V, publicada em 1452, que concede “plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo, onde quer que estejam, como também seus reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades (…) e reduzir suas pessoas à perpétua escravidão, e apropriar e converter em seu uso e proveito e de seus sucessores, os reis de Portugal, em perpétuo, os supramencionados reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades, possessões e bens semelhantes”.

Trecho em que Nogueira faz uma relativização da escravidão Atualmente, até a própria Igreja Católica reconhece que atos papais que permitiam que reis se apossassem de propriedades e povos de regiões colonizadas “nunca foram considerados expressões da fé católica”e “não refletiam adequadamente a igual dignidade e direitos dos povos indígenas”.

A nota foi publicada pelo Vaticano em março de 2023, mas a disciplina de Nogueira não foi atualizada.

“Assustador”

“É um pouco assustador a gente saber que isso está acontecendo e não há um debate no meio acadêmico”, diz Carolina Santos Pinho, doutora em Educação, professora e pesquisadora do Instituto Federal da Bahia, ao ser perguntada a respeito do curso oferecido pela Ítalo com a Brasil Paralelo.

“Com esse curso eles comprovam que existe, sim, uma ideologia, e que a ideia do Escola sem Partido, que foi tão propagada pela extrema direita, é uma falácia. Eles precisam se decidir: ou dizem que não têm ideologia ou criam cursos alinhados à extrema direita”, afirma.

Ainda de acordo com a pesquisadora, deveria haver um aviso para os interessados em ingressar nesse curso sobre a sua orientação ideológica. “A História já foi contada a partir dessa perspectiva. Currículo é disputa de poder. Enquanto houver disputa de poder, haverá disputa pela epistemologia [ciência do conhecimento]”.

Já o professor e historiador Murilo Cleto, que fez a sua tese de doutorado pela Universidade Federal do Paraná sobre o revisionismo histórico da Brasil Paralelo, afirma que o curso reforça as suas conclusões.

Para ele, a Brasil Paralelo tem uma relação dúbia com a universidade. Ao mesmo tempo em que a ataca por supostamente reproduzir o “marxismo cultural”, também busca a sua legitimidade.

“Abrir um curso de História, reconhecido pelo MEC, é uma forma de revestir de legitimidade institucional os discursos sobre o passado, até então marginais no debate público”, disse. “Sob a justificativa de lançar luz sobre uma visão cristã da história, supostamente omitida pelos cursos de licenciatura fora deste nicho, eles reabilitam uma historiografia hegemônica no século 19, que já foi superada por novas perspectivas — que por sua vez são deixadas de lado ou reduzidas a caricaturas.”

(*) Reportagem publicada originalmente na Agência Pública .

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A decisão do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, de dissolver o gabinete de guerra acontece uma semana após o pedido de demissão de Benny Gantz, membro da oposição que se juntou ao governo de emergência após os ataques do Hamas em 7 de Outubro.

A decisão do premiê ocorre sob forte pressão exercida por Itamar Ben Gvir, um dos elementos mais extremistas da atual coalizão de governo, que pretendia se juntar a este fórum reduzido responsável por tomar as decisões sobre a campanha militar.

Um membro do alto escalão do governo procurou explicar à RFI o posicionamento de Netanyahu: “Não há necessidade de manter o gabinete de guerra reduzido, já que ele foi criado como parte das negociações para Gantz se juntar ao governo. A tendência é que as reuniões reduzidas continuem, mas sem esse nome. E devem ocorrer até com mais frequência”, diz.

De acordo com as avaliações de outras fontes de segurança, a intenção de Netanyahu seria a de excluir não apenas Ben Gvir, como também seu aliado Bezalel Smotrich, ministro das Finanças.

Ao contrário das reuniões do gabinete de segurança amplo, onde já compareceram cerca de 50 pessoas, incluindo ministros, convidados adicionais da área de defesa e conselheiros ou chefes de gabinete, a gestão das reuniões no gabinete de guerra reduzido foi mais fácil devido ao pequeno número de participantes. Apenas Netanyahu, Benny Gantz e o ministro da Defesa Yoav Gallant tinham direito a voto.

Pressão dos EUA

Após a saída de Gantz, os Estados Unidos pressionaram Netanyahu para não dissolver o gabinete de guerra por acreditarem que se tratava de um fórum interno mais moderado e avesso à influência de extremistas. Uma das opções era a adesão de Israel Katz, ministro das Relações Exteriores. No entanto, Smotrich e Ben Gvir insistiram que em qualquer caso de expansão do gabinete eles deveriam ter direito a assento.

Membros da oposição israelense interpretam o gesto de Netanyahu como uma tentativa de se colocar à margem do processo de tomada de decisões. Isso porque a partir de agora as medidas mais importantes precisarão ser levadas ao gabinete de segurança amplo. E com um número maior de participantes, a tendência é que seja difícil aprová-las ou chegar a consenso por meio de negociações.

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Há 70 anos, em 18 de junho de 1954, tinha início a invasão da Guatemala por milícias armadas e financiadas pela CIA. A campanha, intitulada “Operação PBSuccess”, resultou no fim da Revolução Guatemalteca e na instalação da brutal ditadura militar de Carlos Castillo Armas, jogando o país em uma guerra civil que se estendeu por quase quatro décadas.

O episódio também marcou o início de uma longa tradição de golpes militares perpetrados pelos Estados Unidos na América Latina.

Dominada por uma sequência de governos autoritários a serviço das oligarquias latifundiárias desde a sua independência, a Guatemala assistiu ao incremento da desigualdade social e concentração de terras ao longo do século 19. Visando consolidar as monoculturas agroexportadoras, o governo guatemalteco criou uma política de desapropriação das terras comunais da população indígena, repassando-as para o controle dos latifundiários. Esse processo se agravou ainda mais sob os governos de Manuel Estrada Cabrera e Jorge Ubico, marcados pela subordinação absoluta aos interesses estrangeiros e pela integração da Guatemala aos domínios do chamado “Império das Bananas”, administrado pela multinacional norte-americana United Fruit Company.

Cabrera concedeu à United Fruit o monopólio de comércio de bananas na Guatemala, ajudando a empresa a se tornar a maior exportadora de bananas do mundo. Seu sucessor, o ditador Jorge Ubico, foi além: obrigou os sem terra a se submeterem ao trabalho compulsório nas lavouras, concedeu aos latifundiários o direito de vida e morte sobre seus trabalhadores, reprimiu brutalmente os camponeses e indígenas, repassou 200 mil hectares de terras públicas à United Fruit e isentou as multinacionais norte-americanas do pagamento de impostos.

A United Fruit beneficiou-se enormemente dessa conjuntura, tornando-se a maior proprietária de terras da Guatemala, concentrando 50% da área cultivável do país. A empresa também controlava a maior parte das ferrovias, dos portos e sistemas de comunicação do país e tinha influência preponderante em sua política econômica.

Alijado das políticas públicas, o povo guatemalteca começou a demonstrar sua insatisfação organizando uma série de protestos. O descontentamento popular atingiu seu ápice em outubro de 1944, quando um grande levante de trabalhadores, estudantes e militares progressistas derrubaram a ditadura de Jorge Ubico, dando início à Revolução Guatemalteca e aos chamados “Dez Anos de Primavera” — o período entre 1944 e 1954, marcado por amplas reformas e conquistas sociais.

Eleito diretamente pelo voto popular, Juan José Arévalo criou uma bem sucedida campanha de alfabetização, ampliou os investimentos em educação e saúde, fundou fazendas estatais para empregar os sem terra, legalizou o direito de greve e instituiu uma abrangente legislação trabalhista.

Em 1951, Jacobo Árbenz Guzmán, ministro da Defesa de Arévalo, foi eleito com uma votação esmagadora. Seu governo ampliou o ritmo das reformas, quadruplicou o número de estudantes na rede pública de ensino e investiu em obras de infraestrutura, construindo portos, rodovias e hidrelétricas. Árbenz também criou programas de transferência de renda e promoveu uma ampla reforma política, estabelecendo o pleito direto para a prefeitura da Cidade da Guatemala e legalizando o Partido Guatemalteco do Trabalho (PGT), uma agremiação comunista.

Por fim, o mandatário instituiu um ambicioso projeto de reforma agrária, visando combater a concentração fundiária e limitar o poder da United Fruit, vista como principal obstáculo para o desenvolvimento do país. O decreto determinava a desapropriação e redistribuição dos latifúndios improdutivos com mais de 272 hectares.

A reforma agrária instituída por Árbenz beneficiou mais de 500 mil indivíduos e resultou na melhoria significativa do padrão de vida dos trabalhadores do campo e no aumento expressivo da produtividade. Não obstante, as mudanças desagradaram profundamente as corporações estrangeiras e os interesses da Casa Branca. A United Fruit iniciou o lobby em favor da mudança do regime guatemalteco junto ao Congresso dos Estados Unidos, acusando Árbenz de “práticas comunistas”.

Em 1952, o presidente Harry Truman autorizou a CIA a conduzir a Operação PBFortune, articulada em conjunto com a United Fruit e os ditadores da Nicarágua, República Dominicana e Venezuela (Anastasio Somoza García, Rafael Leonidas Trujillo e Marcos Pérez Jiménez, respectivamente). A operação previa apoio financeiro e fornecimento de armas para derrubar o governo guatemalteco, mas foi abortada após o vazamento de informações delicadas.

Os planos para derrubar Árbenz foram retomados no governo de Dwight Eisenhower. Além de encampar integralmente o discurso macarthista e a histeria anticomunista da Guerra Fria, Eisenhower possuía diversos nomes ligados à United Fruit em seu gabinete, incluindo os irmãos John Foster e Allen Dulles (secretário de Estado e diretor da CIA) e o subsecretário Walter Bedell Smith.

Em agosto de 1953, a CIA iniciou a Operação PBSuccess, recrutando dezenas de exilados e opositores de Árbenz para articular a derrubada do governo guatemalteco. Enquanto John Peurifoy, embaixador dos Estados Unidos na Guatemala, congregava internamente os conspiradores e incitava campanhas de desestabilização, a agência de inteligência dos EUA financiava, armava e treinava os mercenários postos à disposição do coronel Carlos Castillo Armas, oficial do Exército da Guatemala que Washington escolhera como ponta de lança da operação.

Visando isolar diplomaticamente a Guatemala, os Estados Unidos estabeleceram uma série de embargos e iniciaram uma ofensiva na Organização dos Estados Americanos (OEA), cooptando o apoio de diversos governos do continente. Em maio de 1954, Washington determinou o bloqueio naval da Guatemala, impedindo a entrada e saída de embarcações, ao mesmo tempo em que era deflagrada uma operação de guerra psicológica, visando intimidar os militares legalistas e incitar a sublevação contra Árbenz.

Em 18 de junho de 1954, quatro colunas de mercenários comandados por Castillo Armas iniciaram a invasão da Guatemala. Os golpistas tomaram as docas de Puerto Barrios e ocuparam postos militares estratégicos nas cidades de Esquipulas, Jutiapa e Zacapa.

Aviões de guerra fornecidos pela Força Aérea dos Estados Unidos bombardearam a Cidade da Guatemala e Puerto San José, atemorizando a população civil, ao mesmo tempo em que cargueiros com suprimentos e armazéns do governo guatemalteco eram atacados com bombas incendiárias e napalm. Os golpistas também explodiram os trilhos ferroviários e cortaram as linhas telegráficas do país.

Receoso com a possibilidade de invasão pelas tropas norte-americanas, o Exército da Guatemala abandonou a defesa do governo e rejeitou o plano de Árbenz de armar a população civil para resistir ao golpe. Desprovido de alternativas, Árbenz foi forçado a renunciar à Presidência em 27 de junho de 1954, exilando-se em seguida no México.

Castillo Armas autoproclamou-se presidente da Guatemala, sendo imediatamente reconhecido pelos Estados Unidos.

Logo após chegar ao poder, Castillo Armas revogou a Constituição de 1945 e estabeleceu uma ditadura brutal, banindo os sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais. Milhares de opositores foram presos em campos de concentração e as conquistas da Revolução Guatemalteca foram revertidas uma a uma. O golpe de 1954 mergulhou o país um uma guerra civil que se prolongou por 36 anos, causando a morte e o desaparecimento de mais de 200 mil cidadãos guatemaltecos, o extermínio de comunidades indígenas inteiras e o agravamento da concentração de renda e dos problemas sociais do país.

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O presidente argentino foi o personagem principal da cúpula “Viva 24”, organizada em 18 e 19 de maio pelo partido extremista espanhol VOX na arena Palacio de Vistalegre, em Madri, onde vários expoentes da extrema direita global se reuniram. Nesse ambiente, Javier Milei transitava como um peixe no Atlântico, capaz de se movimentar entre as diferentes correntes e famílias de uma internacional reacionária que está mais ousada e anti-direitos que nunca. Ele estava tão à vontade que confessou ter preferência pelo trabalho de propagandista em detrimento de sua tarefa como chefe de Estado.

O encontro serviu como o lançamento da campanha para as eleições do Parlamento Europeu que ocorreram entre os dias 6 e 9 de junho. E essa demonstração de força antecipou o que as pesquisas já previam: um resultado favorável à extrema direita, o que poderia perturbar o equilíbrio político da unidade entre os países europeus em um contexto marcado pela guerra.

Há sete grupos de afinidade política transnacionais no Parlamento Europeu, mas os dominantes são o Partido Popular Europeu e a Aliança Progressista de Socialistas e Democratas. Visto da Espanha: o primeiro é o PP espanhol, um aliado internacional do macrismo argentino e o principal opositor do PSOE (partido que governa a Espanha atualmente). Ademais, o VOX é membro da coalizão Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), uma aliança claramente reacionária, mas que não a única, pois ainda existe o grupo Identidade e Democracia (ID) que está ainda mais à direita. Então, a cúpula “Viva 24” marcou a confluência entre essas duas coalizões. Os anfitriões fazem parte do ECR, assim como a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, o presidente húngaro Viktor Orbán e o ex-presidente polonês Mateusz Morawiecki. A eles se juntaram a francesa Marine Le Pen e o português André Ventura para o ID.

Milei foi o convidado mais badalado do evento, mas não o único. O ministro de Assuntos da Diáspora de Israel, Amichai Chikli, também participou. E dois norte-americanos com papéis importantes na maquinaria política trumpista: Matt Schlapp, operador da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), e Roger Severino, vice-presidente da Fundação Patrimônio.

Quanto aos líderes sul-americanos, além do argentino, também viajaram o candidato presidencial da extrema direita chilena, José Antonio Kast, e assim como o mexicano Eduardo Verástegui, que tem a religião e a luta contra o aborto como os dois pilares de seu discurso político. Dois países chave na constelação reacionária da América Latina estavam visivelmente ausentes: o bolsonarismo do Brasil e o grupo de Nayib Bukele, de El Salvador, que já havia participado da CPAC, organizada por norte-americano Steve Bannon, em no último mês de abril.

Polarização ou diplomacia

O profeta argentino viajou a Madri para alertar o Ocidente sobre os riscos da justiça social. De um lado, o Ocidente, propriedade, liberdade, vida e família. Do outro, o socialismo, justiça social, sindicatos, feministas e a questão ambiental. Em termos concretos, essa cruzada transformou-se em insólita crise diplomática com o presidente espanhol Pedro Sánchez.

Vários analistas sugeriram que a polarização entre os chefes de Estado argentino e espanhol é politicamente benéfica para o Vox e PSOE: na corrida para as eleições de junho, essa contenda fortaleceu tanto a extrema direita quanto o socialismo, em detrimento do PP. Embora Milei tenha ganhado um lugar central nas manchetes como um antagonista internacional contra o socialismo, a ação de Sánchez foi similar à estratégia peronista de 2023: confrontar com o outro extremo para limitar as chances daqueles que parecem ser a principal ameaça da oposição. Talvez Sánchez tenha sucesso nesse tipo de manobra, já que o socialista demonstrou grande audácia tática. Mas, do ponto de vista estratégico e considerando a experiência argentina, é possível que ele esteja brincando com fogo.

Culto à desigualdade

A delegação argentina estava bem equipada. O grupo oficial incluía, como quase sempre, a irmã Karina, bem como a chanceler Diana Mondino e o agora ex-chefe de gabinete Nicolás Posse, dois ministros que hoje não são muito bem vistos pela Casa Rosada; o ministro da Justiça Mariano Cúneo Libarona; o secretário para assuntos do Vaticano, Francisco Sánchez, juntamente com seu principal assessor, Tomás Randle; os deputados pró-vida Santiago Santurio e Nicolás Mayoraz; e a esposa do magnata Alejandro Bulgheroni, Bettina Guardia, nomeada em março de 2024 como “embaixadora da Marca País”.

Em Madri, a turnê contou com a presença do influenciador Agustín Laje, Sofía Dutallaz, vice-presidente do “Los Halcones”, um grupo de jovens que apoia o partido PRO (de direita), e o diretor do Instituto Superior de Sociologia, Economia e Política (ISSEP), Santiago Muzio, argentino residente na Espanha. O ISSEP é uma escola de formação política dos quadros do VOX.

Houve uma ausência importante, que passou despercebida: Victoria Villarruel, vice-presidente argentina e habitual interlocutora da VOX, hoje em evidente tensão com o líder de seu partido. Como se sabe, a convivência entre os três setores que compõem o campo governista da Argentina não é fácil. Tanto nas desventuras internacionais, como embates em escala local fica evidente que esses três setores expressam tradições de direita e projetos de poder cuja compatibilidade ainda está por ser vista. Portanto, na medida em que não atingirem seus objetivos políticos, poderá surgir um conflito interno.

Depois do presidente, a figura mais proeminente da delegação argentina era o secretário de Assuntos para o Vaticano, que participou do painel “Vozes da liberdade contra a esquerda criminosa” e fez um discurso contra o divórcio, aborto e o casamento igualitário. Até mesmo a mídia tradicionalmente à direita descreveu esse discurso como “polêmico”. Ele dividiu o painel com seu compatriota Santurio, que propôs uma teoria estranha: atacar a propriedade privada é atacar diretamente o núcleo da família, que permite a existência de governos autoritários.

Esse setor da extrema direita argentina, que representa a agenda mais tradicionalista, também participou de algumas reuniões e eventos paralelos: Com o Centro de Direitos Fundamentais ou Alapjogokért Központ, organização subsidiada pelo governo húngaro que organizou a terceira edição da CPAC e contou com presença de Orbán e Trump, que fez uma participação à distância. Esse mesmo evento teve ainda a participação da Rede Política pelos Valores (Political Network for Values), organização presidida pelo chileno Kast, e que promove a articulação de políticos conservadores da América Latina, Estados Unidos e Europa; assim como os evangélicos da Convenção Europeia do Parlamento e da Fé 2024.

Milei e a Iberosfera

Talvez o aspecto mais relevante do que aconteceu em Madri seja o envolvimento de Milei no projeto “Iberosfera”, um projeto de unidade da extrema direita proposto pelo VOX com o objetivo de destacar a zona de influência da cultura hispânica sobre a América Latina.

Desde 2020, quando o líder do VOX, Santiago Abascal, falou pela primeira vez sobre a Iberosfera, ele deixa explícito que a unidade da extrema direita é projetada na identidade cultural formada a partir de raízes coloniais, que tem elementos como a língua e a fé cristã. A estratégia também inclui Portugal, representado pelo partido Chega, assim como o Brasil, embora com menos destaque.

Para sua promoção, o VOX tem três instrumentos: o think tank Fundação de Dissidência; a mídia digital La Gaceta de la Iberosfera; e a “Carta de Madri”, o manifesto fundador do Fórum de Madri, uma aliança internacional de conservadores e simpatizantes da extrema direita da América Latina, Estados Unidos e Europa.

A Iberosfera é uma plataforma de ação coordenada entre partidos e políticos de ambos os lados do Atlântico, que revive o ideal colonial e a influência econômica espanhola na região. Assim, o VOX se posiciona como um ator relevante em nível internacional, com um diferencial em relação aos Estados Unidos e sua proposta de liderar a América Latina. O partido projeta Madri como uma espécie de capital sub-imperial, que viria a substituir o papel de Miami, uma cidade que abriga muitos dissidentes políticos e membros de grupos ultraconservadores da região latino-americana.

No entanto, a liderança dos EUA não parece estar em questão, já que o verdadeiro foco político está centrado no “atlantismo”, uma doutrina política que advoga uma intensa cooperação entre os Estados Unidos, Canadá e os países da Europa. E essa estratégia é liderada por Washington contra a ameaça de uma hegemonia não-ocidental, tendo a China e a Rússia como principais inimigos.

Para Milei, no entanto, o projeto da Iberosfera é uma oportunidade de intensificar sua guerra cultural. Qualquer plataforma acrescenta uma nova peça digital viral. Ele voltou de sua viagem a Madri convencido de que sua liderança já tem estatura global. Embora ele se veja como o maior propagador da liberdade do mundo, a revista Time, que estampou Milei em sua capa recentemente, observou que “seus ataques à imprensa e suas ameaças contra ‘traidores’ políticos está ganhando tons autoritários”.

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Mas os trabalhadores também precisam de tempo para si mesmos e para seus amigos e familiares. O pagamento de horas extras e os aumentos não podem substituir o que mais precisamos: o nosso tempo de volta.

Quando Frank Carrico fala sobre por que ele e seus colegas de trabalho na Heaven Hill Distillery entraram em greve, ele fala sobre a família. “Eu perdi as atividades dos meus filhos” por causa dos turnos forçados de fim de semana, ele diz. “Perdi muita coisa, e não quero que os jovens que vêm depois de mim passem por isso.”

Quando conversamos, os trabalhadores da destilaria tinham acabado de sair de uma greve de seis semanas, exigindo manter uma semana de trabalho de quarenta horas, de segunda a sexta-feira, com pagamento de horas extras para além disso.

Os trabalhadores da Frito-Lay entraram em greve neste verão para acabar com os “turnos suicidas”: turnos de doze horas consecutivas com apenas oito horas de intervalo entre eles. Mais tempo entre turnos extra longos também estava entre as demandas que levaram membros de equipes de filmagem e TV a autorizar uma greve. Trabalhadores têxteis na Itália entraram em greve para acabar com semanas de trabalho de oitenta e quatro horas (e tiveram uma grande vitória).

Um meme popular nas redes sociais nos faz lembrar: “Tem um fim de semana? Agradeça aos sindicatos!” Mas muitos trabalhadores, sindicalizados ou não, não têm fim de semana — e certamente não têm o que os grevistas de Haymarket em 1886 exigiam: “Oito horas para trabalhar, oito horas para descansar, oito horas para o que quisermos.”

Greves e a pandemia estão expondo como muitos de nós, desde fábricas da Nabisco até sets de filmagem, estamos trabalhando turnos de doze horas, às vezes por dias consecutivos. Essas horas extras cobram seu preço. Estudo após estudo tem mostrado que jornadas de trabalho mais longas levam a vidas mais curtas e a um risco maior de doenças cardíacas. Horas mais longas também levam a vidas mais restritas — com menos tempo para a família, lazer e o que quisermos.

Ao longo de décadas de luta, os sindicatos conquistaram a jornada de oito horas. E, ao longo de décadas de negociação, muitas vezes a devolveram ao concordar com esquemas de horas extras que associam o aumento de salário ao aumento de trabalho. Isto (combinado com a estagnação ou queda dos salários reais) faz com que os trabalhadores estejam sempre se esforçando para recuperar o atraso. As horas extras podem ser “voluntárias”, mas se tornam necessárias para fazer as contas fecharem — ou muito tentadoras para serem ignoradas.

Um ex-presidente do sindicato de professores me disse que teve que exigir que a equipe do sindicato não oferecesse tempo por dinheiro nas negociações. “Os representantes sindicais só queriam obter o aumento percentual”, disse ele. “Mas nós queríamos controle sobre nossa jornada de trabalho.”

As equipes de filmagem e TV conquistaram um acordo onde a gerência agora tem que pagar multas adicionais por longas jornadas ou intervalos curtos entre turnos. Mas, embora uma multa possa ser pensada como um dissuasor, o cálculo da gerência diz: “Eu ganho dinheiro suficiente com o seu tempo para pagar essa multa.” Carteiros e motoristas da UPS sabem como essa rotina funciona — os representantes sindicais reclamam, a gerência paga, e na próxima semana isso se repete.

Uma vez que você trocou tempo por dinheiro, o chefe vai atrás do dinheiro também.

A gerência da Nabisco estava tentando retirar os prêmios de fim de semana e o pagamento de horas extras após oito horas. Eles queriam um Horário de Trabalho Alternativo, onde todos trabalham doze horas por dia, incluindo fins de semana, com o pagamento regular.

O acordo final cria um cronograma de dois níveis. Os trabalhadores atuais mantêm sua semana de segunda a sexta-feira, mas o Terrível Horário de Trabalho se aplica aos novos contratados. Muitos trabalhadores podem querer o pagamento de horas extras e o que isso lhes permite comprar. Mas aceitamos uma falsa escolha: você tem tempo ou dinheiro, mas não os dois. As nossas vidas acabam circunscritas pelas demandas do trabalho. A nossa imaginação para “o que quisermos” se reduz a dormir e fazer um lanche rápido.

Em vez de lutar dentro do quadro que os chefes nos dão, devemos lutar pela vida que podemos criar além desse quadro. Uma vida que nos permita nos conhecer como mais do que trabalhadores — como membros da família, amigos, aliados políticos, atletas, artistas, músicos, ou até mesmo desocupados.

O chefe sabe disso: seu tempo é a mercadoria mais preciosa que existe.

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Banco público de fomento está sendo utilizado para promover privatizações e enfraquecimento do poder público a serviço de interesses privados, como mostra o caso da privatização da COSANPA, estatal da água no Pará.

Welfesom Alves | Redação PA

BRASIL – Por definição, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é uma entidade vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e deveria servir para fortalecer a economia brasileira por meio da iniciativa pública. O anúncio da COP-30 (evento internacional que reúne nações e grandes capitalistas para discutir as mudanças climáticas e as possibilidades de lucrar com elas) em Belém, levou o Governo do Estado do Pará e a diretoria do banco a dialogar sobre a possibilidade de investimentos na ordem de R$5 bilhões, sendo R$3 bilhões na linha de financiamento de estados e municípios. O Pará é rico, possui capacidade de endividamento, e ainda assim submete seu povo à pobreza.

Acontece que os projetos deste banco deveriam servir para que o poder público se fortalecesse, utilizar os recursos a serviço do povo pobre. Contudo, a agenda de privatizações praticada pelo Governo Helder Barbalho (MDB) no Pará e a conivência da gestão da presidência do banco, de Aloizio Mercadante, buscam permitir o avanço da privatização da água e encarecimento do custo de vida da classe trabalhadora.

BNDES e a modelagem

Em evento no dia 2 de junho de 2023, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB) anunciou que a concessão da água e saneamento no Pará estava sendo realizada pelo banco como parte da agenda da COP-30. Com esse nome pomposo de concessão, busca-se entregar um bem necessário à vida humana para gerar lucro.

Na proposta do BNDES, a concessão para as empresas seria de 40 anos, com um investimento previsto de R$18 bilhões escalonados a cada 5 anos para alcançar 5,4 milhões de pessoas. Para a execução do plano, o Pará seria dividido em 4 blocos de concessão composto por: A – Região Metropolitana de Belém e Marajó; B – Nordeste do Pará; C – Oeste do Pará; e D – Sudeste do Pará.

O sistema de água e saneamento é composto por: Produção, Distribuição, Esgotamento Sanitário, Gestão Comercial e Água e Esgoto dos SAAEs (Serviço Autônomo de Água e Esgoto). Na concessão, a COSANPA passa a existir apenas no Bloco A, sendo responsável apenas pela produção de água, todo o resto passa a ser de responsabilidade das concessionárias, onde a COSANPA será obrigada a vender água potável para essas empresas a um preço abaixo do que hoje vende, passando de R$4,59 para R$1,70 por m³ (metro cúbico) de água tratada.

O esgotamento sanitário é praticamente inexistente no Pará. 118 municípios não possuem nenhum tratamento de esgoto e 13 tratam abaixo de 10% do esgoto que é despejado integralmente nos rios (inclusive os que são de origem hospitalar). Contudo, isso não é falta de capacidade da COSANPA ou dos trabalhadores e sim da gestão dos governos anteriores e ineficiência do setor privado onde já há. No estado há uma tarifa de 60% que incide sobre a conta de água que deveria ser destinada para a universalização do serviço de esgotamento sanitário, porém o recurso não chega a ser visto.

Universalização do serviço

Para abrir caminho ao setor privado o governo golpista de Michel Temer (MDB), então presidente da República em 2018, editou a Medida Provisória 868/18 que alterou o Marco Legal do Saneamento esvaziando o controle social nos municípios e privilegiando as concessões. Mas foi no governo do fascista Jair Bolsonaro que o Projeto de Lei é sancionado. Resumindo, incentiva o aumento do controle da água e saneamento de empresários do setor ou não, basta que paguem mais pela outorga (concessão).

A meta oficial do novo marco é alcançar a universalização do serviço até 2033, onde 90% da população deve ter acesso ao esgotamento sanitário e 99% deve ter acesso à água potável. No projeto elaborado pelo BNDES, o acesso à água é alcançado em 2033 e o esgotamento sanitário em 2037, portanto fora do prazo, e para atingir tais metas serão necessários investimentos de R$18 bilhões de reais, mas o que não se diz é que hoje estão investidos R$2 bilhões pela COSANPA que serão entregues à iniciativa privada sem compensação alguma ao estado.

Outro ponto é que no capitalismo o povo não pode ter tudo, não pode ter pleno emprego porque os empresários ficam sem o seu exército de reserva, perdem a capacidade de demitir a qualquer momento e são pressionados a aumentar os salários, e não pode ter água e saneamento básico pois o plano não contempla trabalhadores rurais.

Articulação e luta

No dia 05 de junho, o Sindicato dos Urbanitários do Pará, categoria que atua na COSANPA, promoveu um seminário para discutir o plano de modelagem e apresentar propostas de luta contra a privatização do serviço de água. A Unidade Popular (UP), o Movimento Luta de Classes (MLC), Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Movimento de Mulheres Olga Benário, entre outras organizações e coletivos fortaleceram a atividade para conduzir a luta no estado.

Em entrevista para o jornal A Verdade, Marcos Montenegro, que é engenheiro e membro da coordenação do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS) destaca que a saída não é a privatização: “Nós primeiros vimos a gravidade dos problemas que existem no serviço prestado à população do Pará, por outro lado discutimos também que a privatização não é a saída. Foi feita uma crítica à política implementada pelo atual governador [Helder Barbalho] com o apoio lamentavelmente do BNDES. Não vai ser por meio da concessão de serviços essenciais que vai se resolver o problema do acesso”.

Já Juliano Ximenes, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA, em Belém, e conselheiro do ONDAS ressalta os interesses imperialistas na Amazônia: “É muito grave porque é um esforço desses segmentos reacionários no sentido de ampliar a esfera das mercadorias, de transformar a água numa mercadoria no sentido mais completo, isso vai implicar em desigualdades muito graves e têm uma ameaça à sobrevivência da população trabalhadora, e a luta é para colocar isso no debate público. Devemos criar um foco de resistência para criar uma crítica sistemática, e é muito grave porque o Pará, assim como o Amazonas, como tem uma disponibilidade de recursos hídricos de água doce superficial, um processo desse pode representar a perda de soberania, porque você pode exportar essa água, dando origem a expropriação por esses agentes internacionais, empresariais, enfim, norte-americanos, canadenses, belgas, franceses, espanhois, alemães, que são os principais atores”.

Também conversamos com Luís Alberto Rocha, professor da Faculdade de Direito da UFPA e assessor jurídico da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) que pontua a necessidade de ouvir o povo paraense: “A principal questão do BNDES modelar o saneamento é não ter a perspectiva do Pará. Temos muita capacidade instalada que poderiam ser consultados para fazer a análise da modelagem do saneamento. O que tem acontecido é que a gente importa um modelo que não leva em consideração o povo paraense e faz um olhar exclusivamente sobre eficiência econômica, e quando tratamos de serviço público envolve a qualidade de vida das pessoas”.

Governos temem revoltas populares

Não é simples entregar um bem público, os capitalistas buscam desde 2016 viabilizar o caminho para ampliarem seus lucros, esbarram em interesses locais e regionais, mas acima de tudo tem medo que a classe trabalhadora se organize. A tradição brasileira é de orgulho do trabalhador e de todas as suas conquistas. A COSANPA é resultado do esforço diário dessa classe que hoje vê uma defasagem de pelo menos 70% do seu quadro de funcionários.

Não seria a primeira vez que um povo se revolta para garantir água de qualidade. A Guerra da Água de Cochabamba (cidade da Bolívia onde ocorreu a revolta) se deu entre janeiro e abril do ano de 2000, assim ficou conhecido o movimento que reestatizou a água no país, possível apenas com ampla organização popular.

Entrevistado pelo Jornal A Verdade, Waldir, diretor do Sindicato dos Urbanitários do Estado do Pará, indica os motivos da precarização do serviço: “O sindicato está mobilizando as entidades e a população para se somarem na luta. O que é que está por trás do interesse da privatização? Esse é um ponto importante que precisamos apresentar para os deputados e para a população, que está sendo feito um sucateamento muito grande por parte do governo do estado através da diretoria da COSANPA para que a população tenha essa visão de que a iniciativa privada é quem vai prestar um bom serviço”.

O Movimento Luta de Classes (MLC), junto à Unidade Popular, o Movimento de Mulheres Olga Benário e Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), esteve realizando denúncias sobre a falta de água no bairro da Marambaia e constatou o interesse da população em lutar pela garantia de um serviço de qualidade. Gian Victor, do MLB, destaca o caminho da luta popular: “É importante para mostrar a indignação do nosso povo, que em sua maioria é contra a política de privatização, também é uma forma de defender nosso direito a um item básico que é água e saneamento e mostrar que a água não deveria ser uma mercadoria e sim um direito garantido a todos os trabalhadores”.

Como podemos constatar não temos saída nos parlamentos, nos resta as ruas, principal elemento para mudar qualquer correlação de forças. É inaceitável que uma medida que vai atingir diretamente o povo, não passe por debates, audiências públicas, já que o que aconteceu com a CELPA é um exemplo de que a privatização apenas tornou o serviço mais caro. Podemos virar o jogo nos acréscimos se entendermos que o destino da classe trabalhadora é dirigir a produção, as relações sociais, o mundo.

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A mobilização militante dos estivadores no principal porto da Grécia, Pireu, no sábado, 15 de junho, levou ao cancelamento da chegada do “MSC ALTAIR”, um navio porta-contêineres que transportava armamentos e munições para Israel.

Como noticiou o diário “Rizospastis”, o MSC ALTAIR iniciou o seu itinerário a partir de Valência, Espanha, e deveria chegar a Israel via Pireu. Segundo informações, o navio cargueiro transportava munições e outros materiais de guerra destinados a serem utilizados contra os palestinos, no genocídio promovido pelo Estado sionista em Gaza.

O ENEDEP (Sindicato dos Portuários do Pireu) declarou a sua firme recusa em fornecer qualquer assistência ao navio de carga, forçando-o assim a mudar a sua rota em direção à Itália. “Nós, os estivadores do Pireu, declaramos que não aceitaremos descarregar o navio”, afirmaram num comunicado, acrescentando: “Não participaremos no massacre de pessoas inocentes para o lucro de poucos. Estamos criando nossos filhos com humanidade e através de nossas lutas lhes ensinamos uma lição de solidariedade, resistência e orgulho”.

Em comunicado, a Assessoria de Imprensa do CC do Partido Comunista da Grécia (KKE) denunciou “a chegada ao porto do Pireu do cargueiro MSC ALTAIR que, entre outras coisas, transporta material de guerra, tendo Israel o destino final. [...] Isto é mais uma prova dos planos do governo grego para o envolvimento cada vez mais profundo do país nos planos dos EUA-OTAN e do seu apoio ao ‘assassinato de Estado’ de Israel, à custa da luta do povo palestino”.

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Seria a história pendular? Uma no cravo e outra na ferradura? O fato é que nessa primeira metade do século XXI o mundo retrocede à direita.

O que entendo por direita? São de direita todos os negacionistas, aqueles que preferem mentiras às certezas das ciências. São de direita os racistas, os homofóbicos, os misóginos, os que se julgam superiores a todos que não têm a mesma cor de sua pele.

São de direita os que negam à mulher o direito de decidir sobre o próprio corpo, não admitem o aborto em determinadas circunstâncias, mas apoiam a pena de morte e aplaudem policiais que matam bandidos e suspeitos de crimes, e se omitem enquanto o governo de Netanyahu massacra a população civil de Gaza.

A política de direita quer o Banco Central autônomo do governo de seu país, porém dependente do sistema financeiro internacional. Abomina refugiados, grita contra a Rússia por ocupar a Crimeia e se cala frente à ocupação de Guantánamo e de Porto Rico pelos EUA.

O que se enxerga no fim desse túnel? Pelo que ensina a história, guerras. A ampliação global dos conflitos regionais, como ocorreu na primeira metade do século passado.

A democracia liberal tem um limite: a supremacia da acumulação do capital em mãos privadas. Todas as vezes que esse privilégio é ameaçado, os democratas aposentam as urnas, rasgam as Constituições e colocam as tropas na rua. Por meio de golpes de Estado ou eleições, instalam governos ditatoriais em nome da ordem, dos bons costumes e da defesa de Deus, família e propriedade.

Na primeira metade do século XX, foram os casos de Hitler na Alemanha; Mussolini na Itália; Franco na Espanha; Salazar em Portugal; Duvalier no Haiti; Somoza na Nicarágua; Trujillo na República Dominicana; Stroessner no Paraguai; e Vargas no Brasil. O período conheceu duas grandes guerras que tiveram a Europa como palco principal: a primeira, entre 1914 e 1918, e a segunda entre 1939 e 1945. As duas deixaram um saldo de pelo menos 70 milhões de mortos!

Antonio Candido dizia que a maior conquista do socialismo não ocorreu nos países que adotaram esse sistema, e sim na Europa Ocidental. Com medo do comunismo, a burguesia europeia preferiu entregar os anéis a perder os dedos. Implantou a social-democracia e ampliou os direitos da classe trabalhadora.

Derrubado o Muro de Berlim, a burguesia arrancou a máscara e exibe, agora, sua verdadeira face, a que defende a militarização das relações diplomáticas e a supremacia da acumulação do capital privado sobre o exercício dos direitos humanos. Assim, implanta governos autoritários declaradamente de direita, tolerantes com a ascensão neonazista e intolerantes com as políticas sociais dos governos progressistas. Exige ajuste fiscal e sonega impostos. As recentes eleições para o Parlamento Europeu reforçaram os partidos de centro-direita. A União Europeia se submete, hoje, aos ditames da Casa Branca.

A esquizofrenia política se acentua. Apesar de tantos eventos internacionais em prol da preservação ambiental, do combate à fome e da paz, os acordos assinados não são levados à prática. Não há força política que detenha o uso de energia fóssil, o aumento dos gastos em armamentos (em 2023, no mundo, somaram 2,4 trilhões de dólares), e os conflitos em vários pontos do planeta.

Hoje, quase 1 bilhão de pessoas passam fome no mundo. Apenas dez empresas controlam o mercado de alimentos: Nestlé, PepsiCo, Unilever, Mondelez, Coca-Cola, Mars, Danone, Associated British Foods (ABF), General Mills e Kellogg’s. Todas europeias ou estadunidenses, e centradas na produção e venda de ultraprocessados, que causam danos à saúde humana.

Segundo a Oxfam, elas faturam, por dia, 1,1 bilhão de dólares. O consumidor que vai ao supermercado e encontra variedade de produtos ignora que muitos pertencem à mesma empresa.

Como se altera essa conjuntura? No caso do Brasil, reforçar o governo Lula, porque a alternativa é a volta da caserna golpista; atuar intensamente nas eleições municipais de outubro em prol de candidatos progressistas; e retomar o trabalho de base. Redes digitais não são ruas. As redes fazem ruído, mas as ruas falam mais alto. Movimentos sociais, sindicais e pastorais precisam voltar aos protestos e reivindicações públicas.

No âmbito mundial, apoiar a constituição de uma nova governança global que tenha caráter mais democrático, atuação mais efetiva e supere a inoperância da ONU. Estabelecer a regulação das redes digitais, de modo a submetê-las às leis constitucionais dos países e à Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Mas será que haverá tempo para implementar medidas antes que irrompa um novo conflito mundial? O tempo dirá.

O texto não reflete exatamente minhas opiniões pessoais, eu apenas resolvi compartilhar ele por ser um artigo de opinião recente de um veículo de esquerda.

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